sexta-feira, 28 de maio de 2010

OS DANÇARINOS DO PODER E AS REPÚBLICAS (2)


O Mal da Nação é a sua Governação
António Justo
No poleiro da nação, de “revolução” em “revolução ”, os galos continuarão a cantar sucessivamente a repetida canção contra os regimes anteriores, encobrindo a sua miséria ao povo e não dizendo porque este continua, como então, na companhia das nações da cauda da Europa. Vive-se dum facilitismo de conteúdos abrilhantados por requintes administrativos caprichosos e da fulgurância de rostos mascarados nas televisões. Há a ideia de que, para o proletariado, chega um pouco de futebol e de sexo (preservativos nas escolas) como se bastasse a Portugal tornar-se dia e noite num bordel.


A nível interno, destruíram-se as escolas profissionais e humilharam-se as pequenas e médias empresas em favor das multinacionais; a rudimentar agricultura que tínhamos foi destruída em favor das potências agrárias europeias; as pescas também. As pequenas e médias empresas são regulamentadas de cima para baixo sem experiência nem visão nacional. Políticos tornam-se comparsas de secretária emanando projectos e projectos-lei, preparados por assessores, à margem da realidade, contra a vontade dos empresários. Amigos do fácil julgam que um estado se põe em ordem com leis de controlo empresarial, num Estado sem política profissional nem empresarial. O mesmo se constata na política de ensino.

A inveja e um espírito rival tacanho, visível também a nível de académicos e de administração, não reconhece a necessidade dum empresariado e dum operariado forte queixando-se até que não possuem o privilégio destes, o privilégio de poder fugir aos impostos; como se na fuga aos impostos estivesse a oportunidade da nação. Não há colaboração e intercâmbio entre poder político e empresarial; apenas a subjugação ou uma relação de cumplicidade com as empresas grandes que proporcionam tachos parasitas a políticos e comparsas. Fora disto, cada qual que se safe. Na Alemanha as pequenas e médias empresas são apoiadas e respeitadas pelo Estado. Constato que empresas pequenas alemãs que empregam emigrantes portugueses os levam para Espanha, Arábia Saudita, Itália, onde trabalham para elas. Portugal exporta pessoas à deriva que outros aproveitam. Uma Universidade abstracta e não relacionada com empresas locais, produz bons técnicos teóricos que depois se corrompem nas filas do desemprego ou se perdem nos meandros da emigração. As remessas emigrantes superiores a um bilhão e meio de Euros por ano não deveriam desobrigar a elite portuguesa de continuar a adiar Portugal.

No centenário da República o único facit possível seria: acabar com o nepotismo, com o espírito capelinha e com a patidocracia para começar com uma república nas mãos de pessoas com espírito de povo e não de jacobinos seculares ou quejandas. Os festejos da República provarão o contrário.

Portugal sobrevive na dependência das remessas da União Europeia e de Emigração, com boas estradas e uma tecnologia moderna da administração do Estado, a troco da soberania e da própria iniciativa na qualidade de país. Não avança porque não tem ideia própria de si e dos outros; abdica de pensar para se deixar levar por uma elite de espírito parasita com mentalidade de feitores. De feitores de ideias e de interesses estrangeiros num país violado.

Um Portugal novo precisa duma nova geração com uma mentalidade que rompa com a tradição oportunista e com o nepotismo vaidoso em vigor. Portugal não pode continuar envelhecendo no piso da maratona, sempre a correr, a correr sempre e só atrás do progresso.

O sacrifício dos portugueses tem-se repetido ciclicamente como as repúblicas e tem sido em vão. Só serve uma elite arrogante e persistente de sempre novos-ricos (na sequência dos antigos barões gerados à custa dos bens roubados à Igreja) que traduz mal as novidades do estrangeiro.

Um grande problema da sociedade portuguesa é o facto de ser pequena e as suas elites se encontrarem aparentadas entre si continuando a tradição da velha sobranceria dos de “sangue azul” ou duma honra empolgada herdada dos mouros.
O entrelaçamento de interesses políticos, económicos e culturais num parentesco elitista médio-superior impede a criatividade e a concorrência, reduzindo a administração e as empresas a lacaios da política. Esta situação dá continuidade ao espírito senhorial de feitores. A nossa elite progrediu de barões para novos-ricos superficiais que se contentam em boiar na onda internacional com uma democracia de Antónios, Josés e Maneis, à imagem das telenovelas: uma democracia proletária “progressista” que acabou também com o rosto individual do nome de família. Este reserva-se aos doutores e às vedetas de casa.

Encontramo-nos num sistema de espírito golpista que só conhece o Estado e, por falta de ideias próprias, aposta na confusão. Tudo vem de cima como se constata numa mentalidade de vaca leiteira política, económica e cultural. O tecto metafísico do Estado é constituído por uma perspectiva superior de bocas direccionadas para as tetas da vaca leiteira. Os mamões encontram-se conectados ao Estado, o resto é vaca (Povo) a pastar na relva (Nação). A moral é o leite pasteurizado, já tão avançado e espiritualizado que não deixa reconhecer o espírito da teta. A crise do sistema acentua-se porque já não só as elites mamam o povo como também parte do povo já se ajeita a seguir o exemplo dos grandes, querendo para ele um Estado vaca também.

Portugal tem uma face moderna, à frente na moda; apraz-se nos seus peritos, aceita tudo o que vem de fora porque não tem nada para guardar ou defender. A elite política esforça-se apenas por jogar na liga internacional. O povo educado para a ingenuidade deixa-se levar pelos espertos e já se sente contente em poder assistir ao jogo nas bancadas. Aposta no internacionalismo e nos da gala internacional participando em objectos de prestígio ou em projectos estranhos como o Afeganistão destinado à derrota, e na compra de armamento estratégico como se tivéssemos algo português a defender e o povo fosse rico. As nossas águas foram entregues às frotas dos vizinhos, a agricultura aos franceses, o comércio aos chineses e a indústria às internacionais; tudo isto sem compensações.

A elite atraiçoou a alma atlântica de portugal para seguir os ventos de Leste e depois encostar-se à Europa central, esqueceu-se da América Latina, da Ásia e da África e com isto abandonou o futuro.

O Estado, na falta duma política lusa, refugia-se agora na vaidade das grandezas da língua e na figura que alguns portugueses fazem pelo mundo. Gloria-se por ser pioneiro na aplicação das tecnologias na administração estatal (que favorece ainda mais o centralismo hegemónico) como se a nação fosse apenas constituída pela sua administração. A partidocracia com os seus barões e os seus “boys” serve-se, não fomenta a consciência de cidadania. Basta-lhe apoiantes, coladores de cartazes e os ardinas da política e do Estado.

Até gente bem formada repete, como o papagaio, os refrães de Abril sem base nem capacidade crítica. A maioria vive do ouviu dizer, do “está escrito” ou do “tem que ser”.

A pobreza obriga. Trabalha durante a semana na perspectiva do “Domingo”. Não há reflexão nem consciência de nação. Vive do dia a dia. Não nota a destruição sistemática do ensino e da família; sem bases analíticas, não suporta modelos nem exemplos, vive da ideologia com seus santos. Pensa-se que no estrangeiro, para se viver, basta abanar a árvore das patacas. O irrealismo das nossas elites e o seu distanciamento do povo verifica-se também nas discrepâncias de salários e nos vencimentos que as elites exigem para os seus serviços, muitas vezes superiores aos do estrangeiro. Cobertos pelos mantos da política e das ordens (advogados, médicos e alguma “confraria”) constituem guetos desintegrados da República. Falta a coesão social e política.

Exploram as pequenas e médias empresas sem lhes deixar possibilidades de fundo de meneio para inovar e investir. Uma mentalidade de honra empolgada em bacharéis, professores, mestres e doutores não suporta a honra do trabalho manual. A ilegalidade torna-se para o trabalhador numa necessidade e na procura desesperada da honra numa nação violada.

Na realidade, tal como à superfície do mar, nas ondas, assistimos a duas forças aparentemente contrárias: coesão e dispersão das quais surge harmonia e vida como podemos verificar na praia. O problema da harmonia social está na dispersão sem uma força coesiva integradora e numa matriz de pensamento também ele de carácter polar (Divide para definir, divide e impera). Falta a visão da perspectiva do profundo que reconhece todo o movimento, todo o desejo como complementar. Na falta desta consciência dominam as forças contraditórias repetitivas de afirmação/negação à custa do próximo. Água reúne força e fraqueza numa união integral que reconhece conexões e integra toda a realidade; o mesmo se deveria dar dentro dum povo e entre todos os povos. A realidade da superfície supera-se na experiência da profundidade comum a tudo. Não chegam as forças (horizontais) bipolares do diálogo mas sim a realidade bipolar da relação eu – tu integrada na dimensão do nós (todo integral). A matriz político-social e de pensamento que orientou a História das nações e dos povos não tem respeitado o princípio da coesão. Para a ultrapassar teríamos de passar da matriz bipolar da dimensão do diálogo Eu – tu (egoísmo - altruísmo), para a matriz integradora do terceiro elemento, a dimensão complementar do triálogo eu-tu-nós. A filosofia subjacente ao partido (não inteiro), apesar da nova consciência subjacente à física quântica e à Trindade, continua a basear-se na força dispersiva, na auto-afirmação em relação a um tu tornado objecto.

António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo

quinta-feira, 27 de maio de 2010

DA REPÚBLICA À PARTIDOCRACIA


OS DANÇARINOS DO PODER E AS REPÚBLICAS (1)
António Justo
A República encontra-se muito débil. Temos assistido à transformação do cidadão em produto “republicano” através da retorta do partido. A falta de conceitos próprios, de heróis e de personalidades de consciência nacional, impediu a concretização de modelos válidos e uma atitude de autoconfiança. A existência duma Constituição de cunho ideológico e dum Tribunal Constitucional demasiado dependente do governo e indiferente à coisa pública, são sintomas duma sociedade portuguesa distraída e dividida. Por tudo isto, nem a Constituição portuguesa nem o Tribunal Constitucional se encontram presentes na consciência do povo, apesar das irregularidades governamentais. Falta-lhes a autoridade moral para se imporem, também porque a Constituição não é suficientemente forte e coerente para possibilitar exames de conformidade constitucional sob critérios baseados num Estado de Direito provado.

A República não produziu modelos de identificação; quando muito produziu catalizadores de projecção ideológico-partidária sem capacidade para equacionar valores integrais. A crise vem pôr a descoberto a sua fragilidade.

É crassa a diferença entre a República alemã e a República portuguesa. Uma comparação entre as duas, a nível de constituição, tribunal constitucional e de telejornal leva à constatação de duas formas de estar de qualidade diferente (assunto importante para doutorandos e estrategas políticos). O Tribunal Constitucional português subserve, pelo menos tacitamente, o governo e a burocracia. Não se conseguiu afirmar no controlo da aplicação do direito, nem se afirma na defesa da soberania nacional em relação à União Europeia, ao contrário do que acontece no Trib. Const. Alemão que não aceita tudo o que o governo faz e, com certa regularidade, obriga o Parlamento e o Governo a elaborar/revogar leis em defesa da justiça social. Quanto à comparação dos telejornais, o fio condutor da TV portuguesa é emocional. Portugal deixa-se conduzir pelos sentimentos e por isso fomenta política emocional e teatral. Um povo, cultural e civilmente desconfigurado, dá origem a uma república de formato partidário. Esta realidade exige uma reforma radical do indivíduo e da sociedade.

Com o golpe-de-estado de Abril de 1974, Portugal retomou a democracia ajustando o processo histórico português ao tempo. Ao mesmo tempo, perdeu definitivamente a visão de Nação real presente no mundo. Cedeu as suas zonas de influência histórica ao bloco soviético, abdicando assim da sua vocação atlântica e correspondente poder estratégico. As razões estratégicas e os interesses, que tinham determinado a pertença de Portugal e da Turquia à NATO, deixam de ser trunfo para Portugal. A sua orientação exclusiva no sentido da Europa Central atraiçoa a sua vocação histórica universalista. Esta opção, em termos históricos, revela-se como retrógrada favorecendo um globalismo eurocêntrico de cunho americano.

O longevo definhar da Nação, começado com o domínio filipino e acentuado com o terramoto de Lisboa (1755) e as invasões francesas, concretiza-se agora na redução de Nação, de perigo chauvinista, a Estado alienado. A vontade nacional portadora da nação dá lugar à organização de interesses individuais, isto é, de grupos (uma revitalização elaborada das tendências tribais na política). Com a “revolução”, o símbolo armilar da bandeira reduziu-se a uma recordação e à presença lusófona e migrante no mundo, acompanhada de alguns foguetes de vista em instituições internacionais.

O golpe militar, na forma como se deu, foi a sequência de ilusões míopes na cedência ao bloco de Leste, como a queda do socialismo real demonstrou. O andar da História contradisse as apostas feitas. Contudo, a História não é uma via de sentido único e a política pode seguir novas dimensões. O que falta é uma via que assuma a dimensão do povo que não tem tido quem o descreva nem quem lhe dê expressão. A nação continua a ser um jardim infantil quando poderia já ser uma universidade.

Não se pode acusar o 25 de Abril pelos erros históricos que cometeu porque os seus actores apenas revitalizaram a miopia reinante, de há séculos, que se reduz a uma política do ámen às nações fortes da Europa num pioneirismo queque e ocasional ideológico de alguns, sem programa. Em relação à Europa, a Inglaterra, embora continuando europeia, soube defender as suas relações e interesses no Atlântico e no Índico. Já a instauração da república, embora correspondesse a uma acomodação à História, passou à margem do povo. Este associou, com razão, a república à ideia de desordem. A República e a História persiste na continuidade de produzir pobres para alguns que vivem dos pobres e remediados. A república implanta-se em 1910 em nome da crise e do descontentamento do povo. Em 1924 a revista “Seara Nova” expressava a opinião popular nas palavras: “Só a ditadura nos pode salvar”; em 1926 dá-se o golpe militar que instala a ditadura militar até 1933, seguindo-se-lhe o Estado Novo (1933-1974). O golpe militar de 1974 restaura o regime democrático. Dá-se assim um aferimento ao desenvolvimento dos povos avançados. A História continua a ser feita de vencedores e dos que os suportam. Vista da perspectiva do Povo, a miséria permanece, só mudam e aumentam as moscas.

O problema português actual vem das elites e da mentalidade comum aliada à perda da perspectiva atlântica, facto este que colocou Portugal na margem da Europa. Trata-se agora de acordarmos para nós portugueses e para a realidade contextual, doutro modo, a continuar a lógica da política até agora seguida, acordaremos espanhóis. Não podemos continuar com uma política fogo de artifício, nem com um centralismo fruto de complexos de inferioridade de políticos que compensam a carência da província numa capital (metrópole) de projectos de prestígio empolgado. A crise económica e de sentido pode proporcionar uma reflexão séria sobre a discrepância entre a realidade de vida do povo e as esquisitices frentex duma política para inglês ver. As potências internacionais a que nos encostamos não oferecem garantia de futuro e são regidas, também elas, por forças anónimas, propensas a levar-nos à catástrofe ou, quando muito, a eternizar a realidade da História que vive dum progressismo enganador, que mantém, persistentemente, a relação estanque e contínua entre povo de situação precária e elite que desbarata as energias daquele. (O povo suíço, apesar de tudo, mantém a sua identidade.)

No tempo em que éramos nação e povo sabíamos aliar-nos às forças reais determinantes do desenvolvimento como foi o caso do aproveitamento dos cruzados, dos templários, dos judeus e dos Fugger. Então conseguíamos sincronizar governação com terra, povo e nação, numa perspectiva universal. Desde que trocamos os interesses da terra pelos da ideologia emanada por potências europeias, aceitamos ser confinados à ideia de Estado passando a ser governados por estadistas à imagem de feitores da fazenda nacional (Recordem-se os feitores portugueses dos senhores ingleses do vinho do Porto, destes ficou-nos a “honra” daqueles terem universalizado o nome do Vinho do Douro). A terra perde a força da gravitação, perde o valor; a realidade dá lugar ao formal, ao símbolo; o centro de gravitação passa a ser a ideologia. O sol da ideologia vem de fora, o que leva as consciências à insegurança e a circular fora do seu âmbito de acção, fora da nação. Deixa-se a própria iniciativa para se seguir o progresso dos outros, dos de fora. Compensa-se alguma desilusão, já não com o fado, mas com o canto de alguma boa musa livresca cá da terra.

De aventureiros do real passamos a aventureiros do sonho e da ideologia (iluminismo apenas francês e bloco soviético). Do mar das águas salgadas passamos para o mar das ideologias, insufladas por ideais estranhos. As águas salgadas fomentaram o heroísmo, a individuação; as ondas da ideologia geram o acomodamento, a resignação. Agora que as ideologias perdem a própria dignidade e a legitimação da terra e da pessoa, somos governados por mercenários de interesses estrangeiros ainda não mastigados, sacrificando Nação e Povo a um internacionalismo barato. Povo e políticos andam esfalfados de tanto correr. A política corre atrás do factual banal e o povo atrás do telejornal.

Os usufruidores do Sol de Abril necessitam já não de crítica, mas de compaixão porque o único mérito de que se podiam vangloriar legitimamente, e que constou da reposição da democracia, está a ser rapidamente gasto. O sonho gerou uma democracia de oportunidade para o mais forte e uma partidocracia na continuidade da política do séc. XIX.

Os dançarinos do poder, sem modelo de Estado reflectido, nem consciência de povo, governam na sequência da velha tradição feudal, um pouco atenuada, num elitismo de fachada, sem conteúdos sérios de esquerda nem de direita. Antigamente viviam de honras, coutos e das herdades da nação; em tempos democráticos seguem o modelo mais popular de feitores de fazenda, feitores dum Estado sem rumo. A elite progrediu no nome, de Senhores passaram a feitores; o factor povo permanece imutável. Vive-se de projecto em projecto e do brio de os aplicar até antes do estrangeiro. Portugal frentex, de actores risonhos e de cabeça erguida, sem povo, reduzido a Lisboa, longe da terra, não olha para trás, com lugar só para alfacinhas.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo

quinta-feira, 20 de maio de 2010

PODER ENTRE LEGITIMAÇÃO E DESLEGITIMAÇÃO

O PODER E O DINHEIRO CORROMPEM
António Justo
A crise do sistema financeiro e político chegou ao rubro. A desconfiança nas instituições e a desilusão acerca da ordem estabelecida conduz à nostalgia duma ordem ideal.

A normalidade do dia a dia manifesta-se num jogo de forças entre potência e fraqueza de grupos e de indivíduos; poder, violência, resistência e inércia são os seus acompanhantes circunstanciais naturais. A normalidade do poder parece dar lugar à normalidade da violência.

Segundo Max Weber “ poder significa a chance de impor a própria vontade também contra resistentes, dentro duma relação social”. O poder estende-se do Estado à família, da posição económica à posição política, social ou psicológica.

A insegurança estrutural em que nos encontramos torna-nos mais conscientes para a nossa situação de impotência. A vontade quer-nos a caminho, a caminho do Sol, contra a rotina do dia a dia, à semelhança do tubérculo que estende o botão na procura da luz do Sol. Toda a natureza se encontra irmanada, a caminho, na consciência de que quem para morre, tal como a água que para apodrece, reduzindo-se a húmus para os outros. Trata-se de andar, por vezes, de seguir o impulso do movimento, como o Hamster na sua roda. “Tudo flúi”.

Poder é a força do embrião que, na sua vontade de encontrar o sol, move o que lhe oferece resistência, do caminho. Poder participa da realidade ‘instintiva’ do embrião na procura do chão através da gravidade e no erguer do tronco na procura do Sol. Na definição da própria identidade está a vontade de Sol, de saber, de verdade, de sexualidade, de transcendência. Não só é tendência e deslocação mas também sentido. O ambiente oferece-lhe resistência o que o obriga a uma certa violência e a entrar numa relação interactiva. A vontade do poder está implícita no desejo da própria vantagem (realização), da subsistência. Potência e impotência andam juntos.

Contra a inércia, contra a entropia surge uma vontade consciente ou inconsciente que resiste à apatia/letargia e desencadeia também o agir do outro. A cultura, os estados, a família surgiram de vontades contra o clima, contra o ambiente, contra a resignação individual… As relações de poder institucionalizam-se e expressam-se em diferentes modelos de ordens sociais ao longo dos tempos (chefes de tribo, reis, presidentes, imperadores, papas). Cada conglomerado social, com os seus biótopos naturais, elabora as suas normas mais ou menos elementares que possibilitam uma relação normal e habitual, com maior ou menor tolerância e capacidade para a iniciativa individual/grupal numa tendência de identificação.

Cada época tem a sua cor local e a sua expressão de poder que condiciona as consciências individuais, seus anseios, satisfações e insatisfações. Cada pessoa nasce numa situação de relação com autoridades, leis, costumes, opinião pública, ideais circundantes, procurando orientar-se e afirmar-se nela e através dela. Vive embebida na norma que o hábito torna normal e evidente num determinado espaço e tempo (biótopo). Adapta-se a esta prisão de mimetismo, do habitual/moda, justificando-a inconscientemente com a necessidade de justificar a sua existência através dum olhar crítico, pela janela do passado ou do futuro. Uma vontade de ser e aparecer afirma-se também contra o caos, contra a inércia do habitual no sentido aparentemente “futuro”, dado pela resistência a tradições ou a novos valores.

A rotina poupa-nos força; é como que o ponto morto entre inspiração e expiração. Nesse ponto se descansa mas apenas para ganhar forças para uma nova caminhada. Tudo tem um ritmo com uma orientação não explícita. As normas e as instituições são as saias da mãe a que o bebé se agarra para se erguer. Por sua vez, a tendência do erguer-se legitima o portador das saias ao exercício da autoridade e até ao abuso do poder contra aquele que as não deixa ou se contenta em continuar gatinhando. No caos dos elementos está presente uma tendência ordeira que possibilita a convivência dos indivíduos no respeito mútuo e pressupõe uma ordem de espiral ascendente. Naturalmente que o desenvolvimento no sentido duma estrutura superior subentende um novo momento de repouso, de caos que possibilita a revolução de alguns contra a normalidade.

O exagero do poder institucionalizado, a sua violência, cria, por sua vez, potencialidades e fomenta a capacidade criativa nos indivíduos, num movimento espiral ascendente de acção-reacção-acção. A actividade da liberdade, que pressupõe a capacidade de dizer sim e de dizer não, é naturalmente condicionada pela formação e informação. A capacidade de reflectir e de descobrir a normalidade distingue-nos do mundo animal e vegetal que permanece encerrado no ciclo vital, num repetir contínuo à maneira das estações do ano. Os nossos hábitos são formados na geografia das estruturas institucionais e no tempo das expressões sociais. O Sol permanece sempre o mesmo, a terra e o tempo também, o que se muda sociológica e individualmente são as estações e nós com elas, em contínuo fluir. A rotina do poder e o poder da rotina são apenas condicionadores recíprocos possibilitadores de ciclones e anticiclones, de Verão e de Inverno. A regularidade das estações traz com elas o elemento revolucionário, apenas momentâneo na preparação da próxima estação. (Os revolucionários que tivemos até hoje, com a excepção do Mestre da Galileia não passaram de árvores de folha caduca que se alimentaram do humos da carência e da ignorância do próximo.)

Temos o pretensiosismo de contradizer o Inverno com se o progresso não fosse apenas o passado visto da perspectiva dum outro momento (estação), em diferido. Todos nós procuramos segurança e orientação (ordem social) uns olhando mais para o retrovisor e outros fixando-se mais no sentido do pára-brisas, não notando porém o que se encontra para lá do retrovisor e do pára-brisas. Vivemos da luta contra a vontade alienadora do passado ou contra a vontade alienante do futuro tornando-nos assim incapacitados para reconhecer a realidade para além da perspectiva do móvel; sim porque a realidade é aperspectiva. Abdicamos da capacidade de nos transformar transformando e fixamo-nos apenas numa dinâmica do poder do passado e do poder do futuro numa linha de tempo linear ou cíclico.

Uma identidade aberta que transcenda os condicionantes rotineiros, pode abrir uma brecha na rotina através da reflexão ou de contradição, uma brecha para lá do retrovisor e do pára-brisas que conduza a uma nova identidade na complementaridade.

É natural que as diferentes estruturas de personalidades (‘boas/más’) e a sua reacção em diferentes situações não são moralmente determináveis, a nível científico; de facto personalidades mais positivas podem reagir como as mais negativas; há momentos de dissonância em toda a pessoa (“pecado original”). É difícil ter-se uma imagem realista das condições de origem do bem e do mal. Daqui a dificuldade da adequação de castigo e a questão da liberdade ou determinismo de comportamentos e a consequente dificuldade de julgar. O Homem é um ser em processo entre natura e cultura e o poder uma sua constante.


As instituições domesticam o poder ou deveriam domesticá-lo contra toda a prepotência interna e externa. O abuso dos chefes tribais, as guerras civis foram evitadas com a instituição do monopólio do poder do Estado. A justiça passou do foro privado para o público. As pessoas não são santas nem anjos precisam de controlo e de instituições com a divisão de poderes. O problema mais que nas instituições está na falta de moralidade do Estado e dos seus representantes. Estes, alheios à honra e à dignidade humana, conseguem defraudar a república instaurando nela as suas coutadas. É um dado científico que o dinheiro e o poder em regra corrompem. O Estado tem instâncias de controlo dos poderosos mas estas não funcionam. O problema maior está no facto de serem os poderosos os membros das instâncias de controlo!

O sentido do estado vem da necessidade do povo se organizar num determinado espaço para manter a justiça e defender-se de agressores. Para Blaise Pascal ”a justiça sem a força é impotente; a força sem a justiça é tirânica”. Uma solução de conflitos, a um nível de justiça equitativa, precisa dum espaço também para a impotência política, para aqueles que não têm voz. A impotência da justiça é a oportunidade do mais forte.

Platão desenvolve a teoria da justiça contra a alegação sofista do direito do mais forte. Poder e vontade de viver andam juntos. Platão apela para o domínio do corpo (paixões) através da alma (virtudes). Thomas Hobbes vê na condição humana o seu ser de lobo contra os outros (Homo homini lupus!). Segundo ele, este só pode ser dominado pela razão e através dum Estado poderoso. Com a criação da instituição a legitimação do poder não fica abandonada às forças da natureza, ao mais forte. A legitimação do poder através de Deus ou do povo é organizada em regras do poder estatal. Aqui o direito do mais forte ou do grupo é contrabalançado com o direito do indivíduo, com o direito privado. O indivíduo abdica do poder de fazer justiça pelas próprias mãos outorgando o poder individual no Estado. O Estado, em contrapartida, promete garantir o exercício da liberdade a todos. O abuso do poder por parte dos governantes e seus iguais deslegitima-os levando o cidadão à desobediência cívica e à formação de grupos guerrilha, como era o caso antes do estado de direito, a uma regressão aos tempos bárbaros. Para Aristóteles o Homem é o zoon politikon. Violência acontece onde não há relação, onde não acontece reconhecimento.

Rousseau contradiz Hobbes afirmando que o Homem é, por natureza, bom, e que a sociedade é que o estraga. Esta visão romântica tem um sentido apenas corrector da redução do homem a lobo. De facto uma cidadania ovina continua a desconhecer a realidade do cordeiro e do lobo no ribeiro do Estado.

Cooperação é também uma estratégia da sobrevivência e não apenas a lei da selecção natural como queria erradamente o darwinismo social. Até as plantas mostram uma certa sociabilidade na distribuição das raízes no solo. Afirmação, resistência e cooperação fazem parte da mesma realidade. Sem a aspiração para a luz, sem o poder não haveria acção. A experiência mostra-nos violência e poder, numa relação ambivalente. No poder está o reconhecimento do outro e a consciência do nós. Daí a necessidade de reconhecer poder ao outro, seja ele embora o mais pequeno. Uma árvore frondosa deve ser consciente da sombra que faz aos arbustos que impede crescer debaixo dela. Uma república adulta terá de reconhecer a realidade dos vários biótopos que tem capacitando-os para agir e não só para reagir. Aos seus representantes não chega a legitimação exterior através dos votos, eles terão de ser modelos íntegros de ética aplicada. A crise de hoje tem também a ver com uma mentalidade parasita de adaptados sem personalidades exemplares. O sistema não suporta personalidades e vive duma mediania fomentadora de oportunistas espertos e não de inteligências.

Há um abismo entre um discurso fundamental e um discurso situacional, moral prático. Ética e política aplicadas encontram-se muito distantes daquele. O direito deveria estar ao serviço do bem-comum e limitar o poder. “A confiança é boa mas o controlo é melhor”. O poder corrompe porque quanto mais se tem mais se quer ter. Urge distribuir o poder porque poder e dinheiro em demasia estragam o carácter. Actualmente, na Europa o poder político e jurídico não tem o poder de limitar os poderosos; estes apoderaram-se das instituições e adaptaram-nas ao seu formato; as nações encontram-se, por isso, a caminho do desastre. Os políticos com os poderosos não podem solucionar o problema porque são parte dele.

Apesar da situação crítica em que nos encontramos, se não houvesse instituições não haveria continuidade; elas são como que a estrada onde o móvel (indivíduo e cultura) passa. A instituição global mais antiga da humanidade, a Igreja Católica, é perita em preservar a memória e pretende englobar o tempo linear e o tempo cíclico, o espaço e o tempo, a imanência e a transcendência como prevê a fórmula da trindade. O seu problema está sempre na resistência que oferece a um presente com as suas certezas de dia a dia. Sem instituição não haveria memória e deixaria de haver a transmissão do facho cultural duma geração à outra. A percepção do presente só é possível no âmbito de percepção do passado e do futuro sem descurar a realidade em que assenta a paisagem. A instituição, tal como o poder devem estar presentes na consciência quotidiana mas só em segundo plano, doutro modo tornam-se em ameaça à liberdade do membro. A presença do poder (instituição / pessoa) deve ser discreta e nunca tornar marginal a presença do indivíduo. O poder como o indivíduo encontram-se numa relação mútua de serviço à comunidade e seus valores. A pessoa é a alma da instituição.

O indivíduo só o é no e com o grupo, precisando de quem o represente numa ordem de valores e interesses comuns. Em si o indivíduo não deveria estar acima do grupo nem vice-versa, como podemos ver na fórmula trinitária de 3=1. O Homem não é “a medida de todas as coisas” como queria Protágoras. O Homem só é todo com todas as coisas.

A complexidade social aliada à velocidade duma vida acelerada provoca nos governados e governantes incapacidades de diálogo fomentando no povo uma consciência saudosista retrógrada e na política um activismo progressista leviano. A contínua mudança não permite a reflexão da experiência feita. As mudanças das condições sociais dão-se tão rapidamente que impedem a responsabilidade política, social e individual. Uma luta pela imposição de interesses específicos distrai a nação duma ocupação objectiva e desperdiçam-se as energias em discussões estéreis pelo poder. O sucesso de uns não pode acontecer à custa dos outros, como é costume. Respeito e reconhecimento de parte a parte; um estado paternalista não possibilita uma relação equilibrada entre os cidadãos. Para uma relação integral do Homem e da sociedade não chega já o diálogo é necessária uma ortopraxia do triálogo numa relação de união eu-tu-nós! Nesta realidade nova, ninguém é igual ao outro mas torna-se através do outro.

©António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo
antoniocunhajusto@googlemail.com

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Consulado de Frankfurt sem Apoio Pedagógico Regional

PROFESSORES DE APOIO PEDAGÓGICO NAS ÁREAS CONSULARES

António Justo
A urgência em racionalizar a administração e em dar resposta às necessidades da população exige colaboração e um cuidado especial de todas as partes. Nas áreas consulares onde se administra o ensino de português com professores sob a alçada de Portugal estão previstos Professores de Apoio Pedagógico. A Área Consular de Frankfurt encontra-se sem Professor de Apoio Pedagógico para os professores da responsabilidade portuguesa desde há mais de um ano. É de esperar que as autoridades portuguesas solucionem a situação. Não é razoável nem proveitosa a existência dum Professor de Apoio Pedagógico Regional que, a tempo inteiro, assuma o encargo de duas áreas consulares.

Nas áreas consulares não se precisa dum professor a tempo inteiro mas sim dum penso horário de um mínimo de 5 horas até a um máximo de 10 para dar resposta às necessidades pedagógicas e organizativas de cada área consular. Em princípio não deveria haver Professor de Apoio Pedagógico sem ter também cursos em que leccione, tal como faz a parte alemã em relação ao ensino sob a sua responsabilidade.

Os professores de ensino sob a responsabilidade portuguesa não podem ser deitados ao abandono sem alguém que, perto deles, os acompanhe e apoie. A eficiência do ensino depende também da relação entre os professores.

Constato, na qualidade de conselheiro da ara consular de Frankfurt, a necessidade da presença de um professor de apoio pedagógico que esteja, também geograficamente mais perto dos docentes, das escolas e das comunidades portuguesas desta área consular.

O perfil do/a Professor/a de Apoio Regional pressupõe, além de altas competências pedagógicas, empenhamento pessoal e capacidade de conversação com a administração alemã.

Encargos do Coordenador de Apoio Regional

Esta figura, mediadora de relações entre a estrutura central – a Coordenação Geral de Ensino de Português na Alemanha – e os docentes deverá:

• responder às competências que lhe forem delegadas pelo respectivo coordenador;
• colaborar com o professor de apoio pedagógico de língua materna da parte alemã;
• criar elos de comunicação entre os docentes, as escolas alemãs e a coordenação de ensino, nomeadamente através de um boletim informativo regular;
• promover iniciativas de vinculação do ensino do português às escolas alemãs, através da sua abertura aos alunos alemães;
• promover a auscultação de ideias e sugestões dos docentes nas diferentes realidades de ensino;
• proporcionar a troca de experiências entre os professores;
• promover o apoio pedagógico e didáctico a professores dos cursos de língua portuguesa em funcionamento;
• mobilizar meios de respostas educativas às necessidades das comunidades portuguesas;
• promover a organização de acções de formação pedagógica e científicas;
• identificar, com os professores, os conteúdos programáticos em que os alunos encontram maiores dificuldades;
• organizar, com os professores, materiais pedagógicos disponíveis numa plataforma online, capazes de dar resposta às carências detectadas;
• fomentar a partilha e o intercâmbio entre os diferentes cursos de línguas e culturas portuguesas em funcionamento na área consular;
• promover o intercambio de escolas alemãs com outras escolas em Portugal;
• elaborar, anualmente, com os professores, uma lista de livros escolares a propor.
• promover acções de formação para comissões de pais, em colaboração com os professores dos respectivos cursos.

Em benefício duma política de ensino mais virada para a eficiência e para o cidadão.

António da Cunha Duarte Justo
Membro do Conselho Consultivo do Consulado de Frankfurt
antoniocunhajusto@googlemail.com

domingo, 9 de maio de 2010

A Fé é a Razão crítica no Monopólio da Razão e das Leis da Natureza



ANTICATOLICISMO UM DISTINTIVO DO FANATISMO MODERNO

António Justo

O jornalista Christopher Hitchens, antigo partidário do trotskismo e depois defensor da Guerra contra o Iraque, rufa, por todo o lado, os tambores contra Bento XVI. Desde que o Papa se insurgiu publicamente contra a política de Busch no Iraque surgiu nos media dos Estados Unidos da América uma campanha feroz contra o catolicismo que depois passou para a Europa. Ideólogos americanos e ingleses não perdoaram à Igreja católica o facto de ele ter condenado a guerra. A cruzada contra o papado é motivada por razões laicistas e por um certo desalento nas esperanças dos reformistas dentro da Igreja.

Ed Koch, antigo presidente da cidade de Nova Iorque, pressupõe que por trás da campanha contra o catolicismo, esteja “a atitude da Igreja contra a guerra, contra o aborto e contra o reconhecimento da união homossexual como casamento”. A Igreja, embora “semper renovanda” não pode estar dependente das ondas e campanhas dos seus adversários. Precisam-se instituições estáveis e de confiança, não dispostas a mudar de opinião como cata-ventos. Estas campanhas obrigam a Igreja a ser mais consequente no conservadorismo, o que não favorece um certo agiornamento necessário.

Opinião bota-de-elástico favorece a Demagogia

A sociedade cada vez se torna mais vítima dum facilitismo sem raízes nem precisão. Aos poderosos, como a verdade só complica, basta-lhes a opinião. Os seus multiplicadores seguem as ideologias como as folhas das árvores o sentido do vento. Os meios de comunicação social transformam-se no bombo da festa. E o povo, sem tempo nem saber para entender o canto, segue o ritmo dos zé-pereiras da praça.

Hitchens, o guru do fanatismo contra o catolicismo, vê na religião em geral um “veneno mortal”. Tornou-se, assim, o estandarte de muitos que querem ver a ideia de homem associada ao animal selvagem. O laicismo, no seu programa de paganizar a sociedade, declarou guerra ao cristianismo a partir da revolução francesa, mas com a queda do socialismo real (muro da vergonha) adoptou o fanatismo que na Europa antiga andava ligado às crenças religiosas. Os prosélitos laicistas, que ambicionam ocupar os Estados, pretendem denegrir a única instituição moral global capaz de desmascarar os poderosos da Terra. Num mundo do ódio e da desordem tornar-se-á mais fácil impor a lei do mais forte no desdém duma moral superior que defende o direito dos fracos e oprimidos a uma vida digna.

O fanatismo anticristão, pretende o absolutismo laicista, o monopólio da razão e de certas leis naturais. Não suporta que centenas de milhares de pessoas se dediquem, sem receberem compensação económica, à defesa dos pobres e oprimidos e que a instituição, também ela pecadora como todo o terreno, levante a sua voz dando voz aos outros.

No tempo da globalidade não suportam a instituição global mais antiga do mundo a fazer-lhes sombra. Atacam toda a moral para, com a ruína dos valores, ruírem também os estados e reiniciarem os tempos das barbaridades e do politeísmo favorável ao caciquismo.

Gente de formação unilateral não suporta a existência pacífica de crentes e ateus, de republicanos e monarcas, numa relação de complementaridade. Aferrados na sua crença ateia e política combatem a crença dos outros desacreditando-a, como se toda a crença não fosse um salto no abismo!

Confiantes na ditadura da opinião bota-de-elástico, implementada por um partidarismo de ocasião e por um mercantilismo e socialismo ferozes, conseguem desestabilizar, apenas com palavreado e sem obras, muitos que vivem sob a trela da opinião publicada.

A iniciativa “Preservativos” ao “Papa em Portugal” vai distribuir 25 mil contraceptivos em lugares por onde o Papa passa. Vive-se de campanhas e não duma discussão diferenciada como se fosse exigido aos crentes o uso dos preservativos contra a própria consciência. As estatísticas de estudos internacionais provam que, nos países africanos com mais católicos, a SIDA está muito menos alastrada do que onde os preservativos são distribuídos. Ideólogos não suportam instâncias que apelam ao indivíduo a pensar pela própria cabeça e a decidir ponderadamente. No cristianismo, a nível moral, a consciência individual é o juiz superior. Isto pressupõe esforço individual e responsabilidade social.

Razão Cristã contra Monopólio das Leis da Natureza

A Fé cristã integra a razão e tornou-se na razão crítica ao monopólio da razão e das leis da natureza. A Igreja é necessária. A fé orienta-se contra a exclusividade das leis da natureza. O processo da ressurreição, a vida eterna, um Deus humano em três pessoas (que não se contenta com o diálogo mas pressupõe o triálogo), a assunção, o celibato, são exemplos que não se deixam sintonizar com as leis da natureza, tal como a ideia não se deixa sintonizar com a realidade que descreve. A fé constitui um contrapeso às leis mecanicistas e deterministas da macro-física e às teorias do darwinismo social. O cristianismo segue a sabedoria do não só… mas também…

Com a fé cria-se um espaço crítico, uma dúvida contra o monopólio das leis naturais e da razão. A fé possibilita o alargamento do horizonte, ajuda a levantar os olhos transcendendo-nos dum ser reduzido a ovelha de boca na erva e de olhar no traseiro da vizinha! A fé cristã possibilita a libertação do imediato, a libertação de si mesmo, a libertação das ideologias, do Estado e da própria crença.

A igreja é uma obra de solidariedade universal para pessoas crentes e que serve os oprimidos da sociedade e também os não crentes. A luta destrutiva, a que se assiste contra a caritas que provém da fé, deve ser contrabalançada por exigências de verdade e serviço à comunidade. Toda a instituição é um mal menor a ser continuamente corrigida por cada um. A intolerância contra o cristianismo é tolerada e promovida apesar deste ser, nos tempos actuais, o grupo mais perseguido e ainda com mais mártires do que em qualquer época passada. Hoje ideólogos tornam-se milionários escrevendo livros e publicando meias verdades ou mentiras.

Também as pessoas que não se deixam orientar só pela razão têm direito a um lugar que lhes pertence e os acompanhe pela vida fora.

Pelas obras e não pelas palavras devem ser julgados. Há muitos lobos por todo o lado. Eles comem tudo e não deixam nada…

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo
antoniocunhajusto@googlemail.com

sábado, 8 de maio de 2010

Portugal poupado na Acção de Apoio à Grécia

ALEMANHA APOIA A GRÉCIA MAS SEM CONVICÇÃO
Portugal poupado na Acção de Apoio

António Justo

Encontramo-nos numa crise financeira inédita, numa odisseia política sem fim. A Alemanha, um país com grande responsabilidade na EU, não podia apressar-se na decisão de apoio à Grécia porque sabe que o vírus a eliminar se encontra no sistema bancário mundial e na EU.

No Parlamento alemão, a lei de apoio à Grécia foi aprovada com 390 votos de deputados a favor, 72 contra e 139 abstenções. A Chanceler Ângela Merkel lamentou o facto do SPD não ter apoiado a acção.

A Alemanha depois de hesitar em fazer de bombeiro votou a lei que autoriza o empréstimo de 22.400 milhões de Euros à Grécia nos próximos três anos. A primeira prestação de 8.400 milhões será já disponibilizada

Os Estados com maior crise na EU poderão suspender o pagamento do seu empréstimo à Grécia. A legislação votada no parlamento alemão prevê: “No caso dos credores terem custos de juros de refinanciamento superiores aos juros que os devedores pagam no âmbito do contrato de empréstimo, podem requerer a não participação no pagamento da próxima prestação”.

Portugal pode optar pelo não pagamento da próxima prestação, dado ter de pagar no mercado bancário internacional uma taxa de juro superior aos 5% que receberia do crédito à Grécia. Em contrapartida, Sócrates terá de renunciar a projectos que só iriam aumentar a crise portuguesa. Portugal tem de empenhar-se mais em investimentos produtivos.

O preço do euro desce no mercado internacional, os produtos importados de fora da zona Euro encarecem; a gasolina torna-se mais cara. Isto parece não preocupar o Estado porque em cada litro de gasolina recebe 86 cêntimos de imposto e quanto mais cara a gasolina mais o estado recebe.

A Alemanha tem sido criticada internacionalmente pela mora no apoio à Grécia. Em nome da humanidade acusam o vice-campeão mundial de exportações (a Alemanha) de agravar a situação não acudindo logo à catástrofe. Esta opinião parece ignorar que as chefias bancárias é que têm orientado a política e a população alemã exige, em contrapartida mais rapidez nas reformas de regulação do mercado financeiro. Neste sector a EU ainda se tem mostrado mais temerosa que os Estados Unidos da América. Falta ao Euro uma visão europeia.

A EU não pode acusar o “made in Germany” de proteccionismo se a EU não tem o controlo do sector financeiro e permite às direcções dos bancos o abuso, com antes da crise, e por outro lado subvenciona os produtos agrícolas europeus contra a concorrência exterior.

O ressentimento contra a Alemanha é uma moeda de mau pagador. Os políticos estão interessados no “continuar como até agora”. A Alemanha precisa mais tempo para a decisão não só por razões de grupos especuladores mas especialmente porque o cidadão alemão exige muita discussão pública, ao contrário do cidadão latino. Sócrates, Zapatero, Berlusconi não são tão controlados e não precisam de sofrer grandes consequências pelas decisões que tomam.

Não há bombeiros capacitados para apagar o fogo que começou na Grécia e se alastrará por toda a Europa e com ela às nações industriais que continuam a subsidiar os abutres das finanças internacionais. É um escândalo que estes ainda não paguem um imposto de transacção e ganhem com as crises que provocam. O povo grego protesta e com razão porque tem de pagar a factura enquanto que os especuladores e as grandes multinacionais se safam. Safam-se porque têm os governos como reféns e o povo à disposição. O turbo-capitalismo precisa de quem lhe faça frente.

António da Cunha Duarte Justo

Alemanha

quinta-feira, 6 de maio de 2010

CORRENTES MIGRATÓRIAS: Antigamente a escravidão, hoje a emigração ( uma perspectiva para a discussão em voga )

CORRENTES MIGRATÓRIAS
Antigamente a escravidão, hoje a emigração
António Justo
Emigração e colonialismo andam de mãos dadas, numa História de conquistas, destruição e exploração. A sociedade produz vencedores e vencidos, ricos e pobres. O território de Portugal e Espanha foram primeiramente colonizados pelos Fenícios, Gregos e Romanos, assumindo até a língua dos colonizadores, para mais tarde passarem a ser colonizadores no século XV e XVI. O desejo de domínio e de libertação andam de mãos dadas. A colonização é feita pelas elites e a emigração dá-se no seio do povo! A pobreza, o clima, as catástrofes e a má política põem o povo em marcha no sentido do Norte. O direito de emigrar deve ser um direito humano!

Na emigração o povo procura saídas da carência na busca de melhorar a qualidade de vida. A ânsia de libertação e a demanda de novas oportunidades é uma constante na humanidade como vemos já no êxodo do povo hebreu. Levam consigo costumes, ideias e o gene. Rompem assim as fronteiras de países, raças e culturas.

Quem está bem não abandona a terra; satisfaz o seu espírito aventureiro indo de férias ao estrangeiro.

A má política é castigada com a emigração. Cada sistema económico e político têm as mesmas estruturas embora com ligeiras adaptações: Antigamente a escravidão, hoje a emigração! Não conhece mudanças qualitativas, apenas quantitativas. A dor e a felicidade não são quantificáveis, mantêm-se constantes, tal como a elite e o povo!

Na discussão política, o tema da emigração não deveria ser aproveitado para tirar dele dividendos. Todos os partidos, se forem honestos, terão de confessar o “mea culpa” em vez de atirarem pedradas aos telhados dos outros. A emigração por necessidade é a grande calamidade dos nossos tempos, tal com outrora a escravidão e a servidão. Só uma discussão académica distante poderá ignorar as tragédias humanas que se escondem sob o rosto levantado duma casa construída na terra para os da terra. Saíram sem casa e morrem longe da casa e da terra.

Os factores de emigração são complexos e os problemas humanos que ela encobre também.

Discurso sobre Emigração com Diferentes Conotações ideológicas


Como uma discriminação latente conota a emigração com “populacho”, muitos académicos não suportam que se fale duma cultura dos “senhores doutores” e subserviência cunhal para não dizer cunhada. Portugal sempre foi hipócrita no trato das questões de emigração. A má consciência da nação, a inveja de muitos e a irresponsabilidade política que vê saldadas muitas dívidas do Estado com as remessas dos emigrantes, têm o descaramento de conduzir um discurso leviano e enganador baseado nas diferenças entre a emigração dos anos 60/70 e as de hoje, como se a emigração de ontem fosse uma emigração de necessidade e a de hoje uma emigração de liberdade. Como se os erros de ontem desculpassem os mesmos erros de hoje. Vive-se dum discurso abusador dos emigrantes, entre miserabilismo e eufemismo. O perfil dos novos emigrantes comunga da mesma realidade do dos anos 60/70: a necessidade. Usam-se argumentos de mau pagador e confundem-se alhos com bugalhos ao colocar-se no mesmo panelão emigrantes, luso descendentes, funcionários do estado e contratados especiais de universidades ou de grandes empresas! O Portugal progressista parece só conhecer especialistas que saem do país!... Os emigrantes (Auswanderer) da Alemanha em Portugal são também eles emigrantes /imigrantes, só que com um outro estatuto, que não o dos emigrantes portugueses. Não foi a necessidade económica mas a mais valias do lazer, de sol e do coração português que os levou a ir para Portugal gozar da sua reforma, no entardecer da sua vida. Na Alemanha quando a opinião pública fala dos seus emigrantes, fá-lo manifestando pesar. Pesar por ter alimentado e formado os seus cidadãos e os ver sair, quando deveriam ficar para produzir para a nação. Na Alemanha, em assuntos de emigração, assiste-se a um discurso de cidadania e de interesses de povo quando em Portugal (nos ambientes oficiais) se fala não de cidadãos mas de emigrantes de cara suja e de emigrantes de cara lavada!

Aos acomodados do sistema, é-lhe incómoda a tecla da necessidade e da má administração, mas muitos dos que falam com eufemismos sobre a emigração de hoje, são aqueles que se ganham bons honorários em projectos e seminários blablabla para ou sobre emigrantes. O ideário português sobre os emigrantes desmascara-se a si mesmo quando, emigrantes de hoje, se sentem na necessidade de se distanciarem dos seus antigos companheiros de destino, afirmando que têm melhores qualificações que os de ontem, quando, em grande partem vêm substituir os emigrantes de ontem nos mesmos trabalhos. Antigamente respondia-se “não vá o sapateiro além da chinela”; em linguagem mais democrática talvez seja mais adequado dizer-se: não vá a chinela além do sapateiro. Os nossos emigrantes hoje, como ontem, são vulneráveis no mercado de trabalho. Não falo naturalmente dos destacados do estado e de muitos da segunda e terceira geração integrados na vida social do país de imigração. A ilusão e a miopia impedem-nos de reconhecer a realidade precária em que se encontram.

É uma dor de alma assistir-se ao esvaziamento de Portugal. O esforço de Portugal feito na formação escolar não é eficiente se ao mesmo tempo não cria lugares de emprego que lhes dê saída para a vida. É verdade que o ensino universitário em Portugal duplicou nos últimos dez anos sem que o mercado de trabalho lhes dê saída. Vão então para o estrangeiro ocupar lugares, as mais das vezes não correspondentes à sua qualificação. O contribuinte pagou a sua formação e vê-o sair para ir enriquecer outras economias. Há alguns académicos altamente qualificados que são contratados pelo estrangeiro como fazem grandes empresas internacionais junto das universidades dos vários países. Seriam necessários pactos entre universidades nacionais e estrangeiras, entre universidades e empresas nacionais e estrangeiras para que Portugal não só exporte mão-de-obra mas tenha contrapartidas. Não há espaço para projectos profissionais nem familiares. Os finalistas de cursos ficam à deriva. A situação obriga, a necessidade manda e cada qual safe-se como puder.

A emigração, para países de expressão portuguesa, deveria ter prioridade alta para o país de envio e de acolhimento. O português é dos poucos povos no mundo que mais se adapta e integra no país de acolhimento, sem criar problemas.

Atacar a emigração de ontem e justificar a de hoje é cumplicidade com os exploradores do povo. Demagogos da palavra deveriam apostar menos no orgulho balofo colectivo para apostar no orgulho da produção colectiva e individual da nação. Precisa-se dum portuguesismo de obras e não apenas de garganta empertigada. O orgulho nacional é, de facto, o pouco que ainda resta a muitos que, para desviarem a vista de si mesmos, olham para a incompetência política nacional com um sentimento indeciso de saudade masoquista!

Uma mudança de paradigma face à diáspora portuguesa não se alcança com medidas centradas apenas em aspectos estatísticos, como é o caso do Observatório da Emigração para informar sobre fluxos migratórios, de seminários de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, de iniciativas formativas/informativas e de sensibilização, por vezes mais preocupadas em aplicar fundos da União Europeia e em dar ajudas de custo aos soldados do partido. Os dinheiros bem aplicados no apoio a associações seriam mais rentáveis.

António da cunha Duarte Justo

Membro do Conselho Consultivo da área Consular de Frankfurt, Alemanha

terça-feira, 4 de maio de 2010

MARIA – MAIO – FÁTIMA: EXPRESSÕES CONCRETAS DA FEMINIDADE contra a Masculinidade Política e Religiosa


MARIA – MAIO – FÁTIMA
EXPRESSÕES CONCRETAS DA FEMINIDADE

António Justo
Maio é o mês das flores (maias), é o mês de Maria (da feminidade), o mês do povo. Maria, tal como a natureza em Maio, assume as mais diversas expressões. As diferentes devoções a Maria são, também elas, manifestações da multiplicidade da realidade e das imagens da alma humana. A natureza feminina manifesta-se em Fátima, a 13 de Maio de 1917. A região de Fátima já era, antigamente, um lugar alto a nível de forças telúricas; com as aparições da cova da Iria torna-se também num altar da espiritualidade feminina.

Maria insurge-se contra a guerra e contra os extravios da Rússia. O Povo Português, tal como nos séculos XIV e XV, recorda-se da sua missão histórica de dar “novos mundos ao mundo” nos descobrimentos, e redescobre-se, pela voz de três pastorinhos, na missão de levar a Rússia ao bom caminho, através da oração. Este foi um ponto alto da consciência nacional portuguesa. Num momento em que a Portugal se alienava de si mesmo com guerrilhas ideológicas e as nações se encontravam em guerra, consegue iniciar um movimento com repercussões mundiais na luta contra o comunismo de carácter estalinista e marxista.

Maria, tal como a alma humana, tem mil rostos. Expressa-se como mãe, rainha, virgem, auxiliadora, a Senhora de Lurdes, de Fátima, etc. Nela se manifesta também a nossa geografia espiritual, o nosso ser de paisagem no tempo e no espaço. Em Maria se expressa a escrituras e a tradição, a espiritualidade e a teologia, o rito e o folclore. Nela, tal como em Cristo, encontra-se o ser humano completo.

A teologia feminista procura ver nela sobretudo a dimensão humana (1). Maria é a mulher expropriada. Ao pôr-se na disponibilidade do acto criador, Maria, e com ela a mulher, é libertada das correntes que a submetem ao homem e à sociedade. Na sua disposição e abertura ao espírito ela torna-se o protótipo da criação, da arte – o dar à luz em si. Torna-se a imagem de todo o artista cujo programa se realiza no Magnificat. Nele se revela o segredo do processo de expropriação, o programa para todo o homem e mulher na integração da polaridade, superando assim a exploração e o domínio sobre o outro.

Um pensar caracteristicamente masculino, o racionalismo exacerbado, não entende os meandros duma realidade, toda ela, formada na/da complementaridade. Por isso, nos seus excessos repudia Maria, repudia a religião, que são a força e o símbolo da realidade feminina na humanidade e no universo. O povo, com as suas exigências integrais, é um factor correctivo da história do pensamento humano demasiado elitista e selectivo, e pelo facto, não integrador.

Na teologia feminista Maria, como todos os símbolos religiosos, pode ser vista das mais variadas perspectivas. Maria é ao mesmo tempo submissa e insubordinada. O movimento emancipador das mulheres procura em Maria marcas em que se apoie. Muitas vêem nos evangélicos, na sua acentuação só em Cristo, a esconjuração dos restos da feminidade na religião

O feminismo radical, de carácter mais masculino, numa estratégia polarizante, procura conquistar terreno vendo em Maria a deusa das origens. Independentemente dos abusos masculinos, na interpretação do divino, deve recordar-se que o Cristianismo original não é de conotação sexual nem se deixa reduzir a interpretações, a perspectivas e maneiras de ver próprias do tempo. Estas dependem do desenvolvimento da consciência humana e do espírito correspondente a cada época, dando às interpretações uma certa relatividade. Fé mais que um credo é uma vivência, uma mística e só assim universal na sua integralidade.


Os Tempos estão maduros para se compreender o Significado de Maria, a Mitigação do Machismo histórico


A História profana, e em parte a história religiosa, tem sido uma história masculina, uma história de machos. Com o irromper dos novos tempos, do século XXI vai sendo tempo de integrar na sua feitura histórica o pólo feminino da humanidade.

Os tempos vão estando maduros para compreender o significado de Maria. Muitas das imagens de Maria são pré-cristãs. Maria cristianiza as deusas pagãs e assume as suas residências num processo espácio-temporal evolutivo. Nela se reúnem todas as metáforas femininas e se encontra a abertura do limiar do tempo novo. Ela é a Deusa secreta do Cristianismo e um apelo à Humanidade para reconhecer a complementaridade da vida. As suas aparições expressam também o grande poder da realidade do inconsciente individual e colectivo.

Também o peregrino, no seu caminhar, se sente como parte dum todo; o povo, a natureza respondem ao chamamento interior. Também por isso, será inútil muito do esforço de padres na tentativa de racionalizarem (masculinizarem) certas práticas e promessas dos crentes a Nossa Senhora. A razão é também ela demasiado masculina e unilateral para poder compreender a outra parte da natureza humana. Assim assiste-se a um exagero (polarização) tanto na análise como na prática religiosa: Animus contra anima.

De momento assiste-se, porém, a uma tendência de espiritualizar a natureza, num regresso aos cultos pré-marianos e a um politeísmo de carácter biotópico particularista. A masculinidade, com a sua maneira de pensar racionalista acompanhante, domina toda a sociedade e até os recônditos mais genuínos da feminilidade (“sentimento”) o que conduz a uma reacção social de fuga e de acentuação do outro extremo, a irracionalidade. O irracionalismo, em voga, favorece tudo o que está fora da tradição bíblica e da tradição católica. Refugia-se, muitas vezes, numa interpretação feminista de espiritualidade à la carte, dirigida apenas para a corporeidade e adversa à razão. O mundo da racionalidade usual não deixa espaço para imagens, ficando estas, quando muito, limitadas ao mundo da religião e da arte. A capacidade de compreensão simbólica torna-se, no dia a dia, cada vez mais difícil. A alma porém revela-se e fala através de imagens. O desequilíbrio manifesta-se no negócio com os devocionais e o esoterismo florescente. Há que reconciliar a masculinidade com a feminidade, a razão com a intuição.

Maria é a mulher fértil que transmite a vida. No princípio está a mãe original. A mulher traz a vida sem a intervenção do homem. Maria virgem e mãe é a metáfora dum novo começo. As imagens de Maria surgem da base. Ela torna-se o protótipo, a mulher, a mãe da humanidade; ela encontra-se no centro de cada mulher, de cada homem e da natureza.

O humanismo de Jesus foi em parte absorvido pela cultura. O problema é que um humanismo radical pretende abdicar da tradição, da memória, da terra que possibilita a vida: a mulher. Na memória é que se procria e se dá o nascimento espiritual.

Da Sociedade Machista para a Sociedade integral


“Aquele que faz a minha vontade é meu pai, minha mãe e meu irmão”. O mestre de Nazaré estoira com os papéis a que as pessoas se encostam, sejam eles familiares, sociais, políticos, religiosos ou de sexos; faz a revolução das revoluções. Com Jesus e com Maria irrompe o tempo do homem-mulher adulto. Homem e mulher estão chamados a integrar em si o animus e a anima, o masculino e o feminino. Para João a filiação divina (adulta) só acontece no Espírito Santo, na liberdade criativa. Supera-se a dominância do género! Maria, a pessoa, engravida por obra do espírito santo, por força do Espírito e não apenas pela obra do macho. A dimensão do espírito é reconhecida como essencial, como formadora da realidade mas não definível nem localizável numa só dimensão particular. Com Maria e seu filho, o Homem-Mulher emancipa-se da tribo e do papel sexual e social que desempenha. O seu valor acontece na ipseidade que implica uma relação já não binária (da dialéctica) mas trinária (da trindade), não já pela afirmação pela contradição (de opostos objectivantes) mas na afirmação na complementaridade (relacional personificante). Passa-se para uma estratégia/vivência já não apenas de diálogo mas de triálogo.

Para o evangelista Mateus Jesus reúne em si as esperanças dos judeus na adopção de Jesus por José, descendente da casa de David (tradição), e a esperança de toda a humanidade no totalmente novo como filho do espírito (O Homem novo surge duma virgem e não de alguém com poderes sobre ele – O Homem/Mulher da Nova aliança é o novo Adão/Eva, o Homem/Mulher em contínua recriação). Reúne a tradição e o novo numa identidade nova e própria. Ele é o esperado que através do espírito apresenta o totalmente novo, não precisando dum legitimação fora dele; é o Homem novo. Deus intervém assim, histórica e misticamente, através do espírito. A imagem judaica tradicional de Deus é superada. Maria, na anunciação e concepção, embora ligada a David, indirectamente através de José, realiza nela a aliança histórica de Deus ao povo de Israel alargando essa aliança a todo o indivíduo, a todo o cidadão do mundo, através do gerar por acção do espírito. (Naturalmente que na bíblia se trata de teologia e não de mera Biologia ou de História, como gostariam os racionalistas que sonham com uma igreja muda, ou uma forma de pensar masculina do “divide et impera”.) O acto legitimador não se reduz ao institucional histórico, ele passa a ser o Espírito que sopra independentemente de condicionamentos e condicionalismos.

No Magnificat, as vítimas tornam-se sujeito da acção. A salvação vem de baixo e não de cima, como querem os poderes/pensares racionalistas e o poder estabelecido. Hoje, mais que nunca, necessita-se de uma exegese, duma história, duma política com uma veia mística. No caminho místico dá-se a convergência da transcendência com a imanência, do masculino com o feminino.

Não podemos reconhecer só a terra como deusa, como quer o feminismo radical (lógico) infecundo nem só o céu como horizonte descontextuado como pretende a dialéctica do pensar masculino. Num processo aberto à mística conseguir-se-á reconciliar o mundo das ideias com o da realidade, o mundo do espírito com o da matéria, as elites com o povo. Seria falso desmiolar os mitos. O mito age a partir do que está escondido, na confluência da força vertical com a força horizontal. Todo o componente da realidade está integrado num todo global complementar, num sistema dinâmico relacional na interligação dos campos físico, fenomenológico e espiritual como manifesta a visão trinitária.

No mês de Maio por todo o mundo católico se observa grande actividade em torno de Maria. Muitas vezes as celebrações litúrgicas são orientadas por leigos. Nestas liturgias marianas privilegia-se a feminidade. A reza do terço é uma forma de meditação global que integra nela a inspiração e a expiração em ritmo complementar. Em liturgias, paraliturgias e actos seculares deveria dar-se mais relevo ao papel da feminidade.

Um aspecto importante que se enquadraria dentro desta espiritualidade seria a introdução de ritos de imposição das mãos em todas as paróquias. Aí, todos os participantes, em resposta à diversidade dos dons do espírito santo em cada um, poderiam criar ritos em que, também o tratamento de corpo e alma, a cura dos fiéis presentes se tornassem práticas usuais, mediante a imposição das mãos por parte dos fiéis. Isto corresponderia a uma necessidade real e cuja vulgarização poderia ter como orientação a bênção dos enfermos realizada em Fátima nos dias treze, bem como certas práticas dos movimentos carismáticos. As liturgias marianas poderiam tornar-se num exercício com expressões mais adequadas às necessidades do lugar e do tempo, num dar resposta aos sinais dos tempos. Maio é um apelo à política, à religião, à economia a integrar na sua masculinidade o outro pólo da realidade que é a feminidade. Esta encontra-se oprimida pela dinâmica dum poder e dum pensar todo ele masculino.

António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
antoniocunhajusto@googlemail.com


(1) Sabe-se da investigação teológica que o modo de pessoas compreenderem a bíblia depende muitíssimo da sua pré-atitude. A cabeça do leitor, formata à sua medida um texto virtual a partir do texto bíblico que tem pela frente. Também o modo de compreender o texto se processa diferentemente. Enquanto que leitores ligados à igreja compreendem o texto num contexto global bíblico, leitores sem experiência eclesial procuram o acesso ao texto através da perspectiva histórica. O mesmo se dá em relação a nível de culturas. O animus, com a sua maneira de pensar masculina polar exclui , a anima como maneira de pensar mais integral (feminina).

domingo, 2 de maio de 2010

Governo malbarata Dinheiros Públicos e discrimina o Norte – A32

Branca marca Pontos na Defesa da Ecologia Ambiental e Humana

António Justo
A AURANCA, uma associação de defesa do ambiente e património da vila da Branca, no distrito de Aveiro, Portugal, tem sido infatigável na luta pela defesa do meio e ambiente e na implementação da articulação cívica popular.

A construção da Auto-estrada (A32) constituiria um atentado não só contra a ecologia ambiental e humana como também contra a razão económica. A A32 viria destruir parte relevante de zonas nobres do seu trajecto como é o caso do Monte de S. Julião da Branca e a mata do Choupal em Coimbra.

A AURANCA, com a sua presidente Nélia Oliveira e o seu porta-voz engenheiro Joaquim Santos, tem conseguido muitos aliados na luta contra a construção da A32. Tem atraído muitos parlamentares e outras personalidades em reuniões e acções públicas em defesa dos interesses da região.

A nível internacional despertou o interesse do 2° canal da cadeia de televisão alemã (ZDF) que entrevistou a AURANCA e fará uma reportagem sobre a falsa aplicação de dinheiros públicos numa zona onde já passam duas auto-estradas em direcção a Lisboa (a A1 e a A29).

Governo aplica mal os Dinheiros Públicos

Os escassos recursos que Portugal tem devem ser investidos em empreendimentos produtivos e não em projectos consumistas como seria o caso da A32, que, além da verba para a construção, pressuporia, posteriormente, grandes custos de manutenção, a suportar também pelas gerações vindouras.

Toda a zona Norte e do Interior tem sido tratada como filha da madrasta em relação a Lisboa e carece de investimentos públicos nos mais diferentes sectores. O governo tem até desviado dinheiros da União Europeia para Lisboa quando estes se destinavam a promover as zonas desfavorecidas do Norte e do interior. Muita da população destas zonas não lhe resta outra alternativa senão emigrar. Atenas, que cometeu erros semelhantes a estes deveria ser um motivo para os sinos tocarem a rebate em Portugal.

Além disso, por todo o Portugal se encontra necessidade de investimentos públicos de grande urgência em jardins infantis, escolas, hospitais e grande negligência em relação ao apoio às pequenas e médias empresas.

O ministro das Obras Públicas, não por convicção, mas porque apertado pela razão económica, afirmou ultimamente que o projecto da A32 será reavaliado. Uma consciência ecológica adulta suporia também a revogação da declaração do Impacto Ambiental.

Portugal tem que reduzir os gastos que teriam consequências prejudiciais para o Défice do Estado.

No sentido duma gestão produtiva dos dinheiros públicos deveria abandonar para já o projecto TGV que é um projecto de prestígio para a elite portuguesa mas que iria impedir o investimento de firmas estrangeiras em Portugal, que construiriam os seus escritórios em Madrid e não em Portugal! O governo de Lisboa encontra-se em débito em relação ao Norte e ao Interior e não a Madrid. O TGV, no traçado actual seria uma traição a Portugal e ao Norte.

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
Alemanha