segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Islão – Um Desafio às Democracias

INTEGRAÇÃO BILATERAL – UM EMPREENDIMENTO IRREALISTA?
António Justo
Nos anos da reconstrução da Europa, depois da Guerra, as indústrias nacionais europeias absorviam grandes contingentes de trabalhadores, necessitando por isso de recorrer também à mão-de-obra estrangeira. A política recorre, então, à angariação indiferenciada de trabalhadores. Contava apenas com trabalhadores mas vieram pessoas.

No princípio a sociedade maioritária divertia-se com o folclore e com o exotismo dos imigrantes e refugiados. Na sua escassez individual eram dignos da simpatia da sociedade acolhedora. Os representantes do Estado e da Economia sentiam-se benfeitores de uns e de outros. O povo operário das nações industriais sentia-se bem porque abaixo dele ainda havia outros, o proletariado estrangeiro. Hoje, época em que as indústrias é que emigram, e a política europeia se orienta para a criação duma camada social alargada carenciada em todas as nações, os conflitos sociais aumentam. A concorrência nos lugares de trabalho é já tão desumana que obriga não só a camada dos carenciados a uma luta desesperada pelo posto de trabalho disponível, como torna também instável a camada social média que constituía o suporte da sociedade pré-global. O sistema económico não aferido às necessidades humanas da pessoa vai dando hipótese a alguns e provocando o devaste dos biótopos naturais e humanos.

Hoje os políticos de então reconhecem o falhanço da política de imigração. Uma população de cultura árabe consciente e activa mete medo a uma sociedade acomodada. A vitalidade daqueles talvez seja a maior razão dum medo inconsciente desta. Com os imigrantes vieram também as estruturas culturais das suas nações e religiões. Antes que os recém-chegados se individualizassem e tivessem tempo de se distanciarem das suas culturas de originem e de se adaptarem criticamente à nova, as estruturas religiosas e políticas de origem instalaram-se servindo-se da sua necessidade, mantendo-os prisioneiros das antigas amarras, em nome do serviço e do perigo dos outros. Entre assimilação e gueto é roubada ao emigrante / imigrante a capacidade de descobrir uma terceira via, o seu caminho. Este, vítima de estruturas injustas que o obrigaram a abandonar a sua pátria, continua a ser areia nas engrenagens das estruturas.

Pouco a pouco vão levantando a sua voz dissidente. Essa voz porém é a do grupo, não a sua. Assim, assistimos a grupos contra grupos, à custa da despersonalização de uns e de outros, contra a construção duma realidade maior: o mundo, o universo.

Os crentes da democracia e da Constituição receiam ter de retroceder dos direitos adquiridos e terem de aceitar hábitos já ultrapassados há centenas de anos na Europa. Agarram-se então a um punhado de direitos, à Democracia e à Constituição, como se estes fossem imutáveis e inegociáveis. No seu catecismo pensam resolver tudo com a separação entre Estado e Religião como se o Estado fosse eunuco e a religião não fosse prostituta. Assim se vai vivendo da disputa das ideologias; com o tempo, porém, o povo é quem mais ordena! Ele é a valia que permanece embora adiando sempre a sua personalização, o seu estado adulto.

Nos países de imigração o abdómen social já rumoreja. O tema da integração polariza os grupos; esquerda e direita esquartejam a realidade para, da refrega, poderem receber alguns créditos. Assim se perpetua a luta de grupos estabelecidos à custa e à margem do povo. Por enquanto ainda não se ganham eleições agitando o povo contra os estrangeiros; a manifestação é ainda em surdina e envergonhada, mas a continuar assim lá chegaremos. A História ensina-nos que o que conta são as superstruturas e não a pessoa individual. Não resta grande coisa para o desenvolvimento da pessoa.

É verdade que a integração é diálogo (melhor seria triálogo) e não pode ser uma auto-estrada de sentido único. De “fora” vêm pessoas com as suas tradições, o tradicional refúgio da precariedade. Se lhe tiram a religião com que é que ficam? No sentido contrário não há trânsito nem parques de estacionamento para guetos compensatórios.

Resignadas, as forças políticas dos países de acolhimento afirmam-se na contradição, à custa dos imigrados e da própria cultura; à custa dos imigrados e dos cidadãos. Por enquanto a esquerda ainda ganha com os votos dos estrangeiros. Mais tarde virá a hora da direita, dado esta corresponder mais à mundivisão daqueles e se preocupar por uma ordem dos costumes menos permissiva.

Políticos já começam a exigir que os imigrados aprendam a língua do país; até agora não se tinham dado conta dos guetos e de muitas crianças que não falavam a língua da escola. Apesar disso muitos defensores dos direitos humanos não estão de acordo com tal obrigação. Seria como que querer obrigar a raça cigana, de hábitos mercantis a ter de se dedicar à agricultura.

Para muitos só se avistam problemas a todo o alcance do olhar. De facto, a estrutura social ordenada maioritária estava habituada a oprimir o próprio povo por tradição e hábito; agora as minorias em nome da sua liberdade religiosa e cultural vêm questionar toda a legitimação do poder estrutural. A sociedade passa a ter dois problemas: o dos novos que chegam e o dos autóctones dormentes que passam a ser acordados por aqueles. Quem não tem nada a perder só é tolo se não arrisca, solidarizando-se!

Os estados europeus, que apostam tudo na estrutura, não estão preparados para dialogar com os grupos do Islão que, baseados mais numa organização de tradição tribal, não conhecem uma organização cúpula, uma representação única, escapando assim ao controlo central e à centralização administrativa. Para os organizadores do ensino da religião islâmica nas escolas, esta situação torna-se complicadíssima atendendo ás diferentes proveniências e legitimações.

Alguns cidadãos resignam-se aceitando que a cultura maioritária terá de oferecer descontos aos muçulmanos? Será que estes terão de viver sempre como hóspedes até que alcancem a maioria e possam determinar eles o regimento? Também há muçulmanos renitentes que não aceitam as aulas de ginástica de meninos e meninas em comum, famílias que obrigam o porte do lenço às filhas, que as obrigam ao casamento arranjado, sendo tabu maioritário o casamento com autóctones, salvo se estes se converterem.

A religião e a cultura tornam-se em impedimento do encontro de uns e de outros a nível humano. Na prática do quotidiano, os grupos islâmicos escapam à forma de Estado tradicional europeu. Para complicar mais, estes ordenam-se em organizações jurídicas laicas. Estas organizações são porém associações religiosas atendendo a que o islão não conhece a divisão da pessoa em religiosa e laica. Quem vai à associação é religioso. Não conhecem o estado secular, só conhecem o Estado muçulmano. Na antropologia das tribos do deserto não há lugar para filosofias personalistas. O indivíduo só se safa no grupo, antes tribal agora religioso. Desconhecem a forma anfíbia do homo occidentalis. Assim colidem diferentes antropologias sem ninguém que os ajude a perceber que o problema não é humano mas de superstruturas entre elas.

Um outro obstáculo com que deparam é o laicismo – um específico dos países de tradição cristã, um resultado de diferenciação de superstruturas. Cria-se também uma outra dificuldade para aqueles muçulmanos liberais ou ateus nas relações de estado, sociedade e religião, pois, muitas vezes, são englobados no mesmo grupo e representados por dirigentes religiosos com quem não concordam.

Fiéis muçulmanos que vêm de países onde a poligamia é possível não encontram legitimação numa cultura monogâmica. Sentem-se discriminados perante uma lei que se diz liberal permitindo o casamento de homossexuais mas proibindo a sua poligamia. Também o sistema de assistência e providência social não está preparado para dar resposta às práticas poligâmicas nem ao casamento islâmico. Recorde-se um facto publicado em jornais franceses: um homem poligâmico passa pelas diferentes casas sociais onde vivem as suas mulheres. Será que vai receber o óvulo? Não será que também o nosso sistema social beneficia economicamente o homem, reduzindo a mulher à carência económica e psíquica?

Os políticos podem alegar que a Lei Fundamental do Estado europeu se baseia na tradição monogâmica judaico-cristã. Apesar disso, não dá aqui uma discriminação da sociedade poligâmica? Eles também são povo e a Constituição deve ser o resultado da vontade do povo. Ou será que se terá de ligar a Constituição ao território perdendo ela assim o seu carácter orgânico? Será que é legítima a declaração da vigência dos direitos humanos individuais, quando indivíduos apelam para a prevalência de direitos culturais sobre os individuais? Esta é a hora da dança dos representantes dos direitos culturais. Quem define competências e em nome de quem? Para um muçulmano crente a sua Constituição é o Corão e o Hadid; mais que o país, o que conta é a sua civilização.

O conflito de obediências entre Islão e Constituição permanece constante. Muitos encontram assim nichos em relação ao casamento. Na sua cultura encontram-se pessoas já casadas valendo na sociedade civil europeia como solteiras. (Casados ricos pelo islão, pelo facto de o não serem civilmente na sociedade de acolhimento, continuam com direito a apoios sociais etc. enquanto que os autóctones que vêem regulados juridicamente os seus costumes perdem automaticamente esse direito embora vivam em situação igual). Nesta confusão toda certos simplicistas laicistas gritam, acabe-se com a religião. A questão não se resolve pela negativa porque seria pior a emenda que o soneto e à margem da realidade humana.

O argumento de que os muçulmanos da Turquia têm aqui mais direitos que na Turquia e de que o Turquia é um estado que conhece a separação de religião e estado, desde Atatürk, não minimiza o problema dos muçulmanos que vêm doutros estados. O radicalismo muçulmano turco tem mais hipótese de se afirmar na sociedade liberal do que na Turquia. A sociedade civil é lá garantida por uma oligarquia militar que impede que a Turquia se torne num estado islâmico sem separação orgânica de estado e religião.

A questão da democracia e do Estado de Direito está em correlação com o estado de desenvolvimento da consciência individual do cidadão. Para já o cidadão é coisa rara, o que há mais são ovelhas arrebanhadas. Ainda se aposta ‘inocentemente’ na tradição da anti-discriminação embora a discriminação continue não só em relação aos indivíduos indefesos como às minorias desorganizadas. Quando os grupos muçulmanos se tornarem mais conscientes e exigirem os seus direitos então o Estado terá que ceder. É a hora dos grupos que não a da pessoa.

A democracia recebe a sua legitimação da vontade do povo organizado. A democracia, no seu mais íntimo é auto-destrutiva vivendo das periferias da sociedade e da sua inconsciência. Um dia que estas acordem a democracia terá de dizer adeus! A não ser que se desenvolva uma outra consciência humana, que não a actual alimentada das sobras do que falta à minoria.

Como podem forças políticas exigir humanismo aos próprios cidadãos se não salvaguardam os seus interesses compensando apenas o défice de credibilidade com a defesa das minorias estrangeiras? Enquanto dominar a filosofia dos grupos uns contra os outros não resta hipótese ao recém-chegado senão organizar-se e fechar-se em grupos.

Pressuposto para uns e outros no sentido de garantir um futuro pacífico em harmonia seria que uns e outros reduzissem as armaduras culturais a um mínimo, e ousassem individualmente ser pessoa sem aquelas tradicionais ‘canadianas’ que os torna súbditos. O fato cultural que cada um traz vestido para poder passar o Inverno sazonal existencial torna-se então numa couraça que nos agrilhoa à própria cultura impedindo-nos de ver mais longe e de nos descobrirmos a nós como pessoas. Não fomos iniciados na construção duma identidade participada como preveria uma antropologia pressuposta na Trindade (identidade pessoal mas comum). Para isso seria necessária a implementação dum modo de ser e de estar que visse a cultura e a instituição como transitórias e o ser humano como permanente. Então as entidades desaguariam umas nas outras, no desenvolvimento do Homem novo que se encontra a definhar debaixo das ruínas da própria existência e da própria cultura. Então tornar-se-iam supérfluos os critérios fixos de identificação homem/mulher, nacionalidade, raça, cultura ou religião. A construção duma identidade comum no trabalho pelo bem comum deixaria de emperrar na arrogância desumana das instituições que em nome da defesa humana degrada o Homem.

Padrões culturais deveriam servir apenas como os braços duma mãe que se estendem para o filho a fim deste aprender a andar e depois se desenvolver e assim a poder abandonar e tornar-se ele próprio.

As culturas têm muito de comum, que aprenderam umas das outras, num processo de desenvolvimento difícil e moroso. Importa descobrir a sua razão de ser para as submeter à humanidade.

Somos cidadãos do universo, não podemos continuar fechados no casulo da nossa nacionalidade, da nossa cultura, da nossa religião. Sofremos de aziúme a mais da nação, da economia, da religião, da ideologia e do partido. As diversas estruturas para serem congruentes deveriam procurar realizar o cidadão do universo em vez de apostarem tanto na desconfiança, na estratégia do medo e do perigo para o instrumentalizarem em seu serviço.

Entretanto, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos terá muito que fazer, não só na defesa do direito à poligamia e de outros costumes muçulmanos como em relação à discriminação dos cidadãos pelo Estado. Até lá vai-se vivendo do não desenvolvimento da consciência civil e da sua desorganização.

Vamo-nos acalentando na esperança do melhor e vivendo das migalhas de direito caídas das mesas dos seus detentores.

António da Cunha Duarte Justo

sábado, 27 de setembro de 2008

CRISE DO SISTEMA FINANCEIRO

BANCOS SEM COBERTURA
Ontem falhou o Comunismo – Hoje começa a falhar o Capitalismo
António Justo
Estamos a assistir ao colapso do Capitalismo! Precisamente no país do liberalismo económico mais radical. Os accionistas vampiros das finanças serviram-se do sistema financeiro até ao máximo e na sombra de gerentes usurários dos grandes bancos e duma política também ela sedenta de dinheiro.

Tal como o sistema económico comunista falhou há 20 anos, falha agora a ordem económica actual. As ideologias revelam-se precárias. Que se aproveita delas são sobretudo as nomenclaturas dirigentes. O povo é quem paga a fava! Políticos e banqueiros procurarão manter o rebanho calmo no redil. Seria pior ainda se as ovelhas escoicinhassem ao serem tosquiadas, na opinião de políticos e de banqueiros. Estes esperam da política que esta encha os bancos falidos com o dinheiro dos contribuintes para que os que vivem do dinheiro irreal especulativo não vejam diminuir o dinheiro e continuem a operar no seu Olimpo.


“Toda a nossa economia está em perigo”, confessa o presidente americano. Para que os bancos não dêem bancarrota os estados têm de os apoiar com somas astronómicas. A USA começa dando o exemplo disponibilizando 700. 000.000.000 Dólares. É discutível mas se o não fizer mais cara ficará a crise para nós. Mesmo assim as consequências serão desastrosas, por muitos anos. Haverá um decréscimo da produtividade e dos investimentos. O desemprego aumentará. O contribuinte e os fornecedores do capital real ao banco terão de pagar a factura das especulações feitas pelos jogadores das notas falsas da bolsa (economias irreais).

Seremos informados a conta-gotas sobre as perdas reais dos bancos. Seria catastrófico se o povo se apercebesse do problema e perdesse a confiança nos bancos!... Então até os bancos mais saudáveis faliriam. Eles trazem mais dinheiro emprestado do que o dinheiro que possuem. Antigamente tinham o correspondente das notas em ouro. No tempo duma democracia mal gerida basta a confiança e o povo como fiador.

O Doutor Heiner Geißler, antigo ministro do Governo federal alemão e antigo secretário-geral do partido “União Democrática Cristã” (CDU) apregoa a criação duma nova ordem económica mundial, e uma economia internacional de mercado ecológico-social. Para não ser sempre o contribuinte a acarretar com as despesas, defende a criação de um imposto sobre as transacções na Bolsa. Este imposto poderia financiar um Marshall-Plan global.

Precisa-se duma competição regulada, dum sistema mitigado humano. Segundo Geißler o volume de mercado financeiro mundial é de 140 bilhões de dólares enquanto que o produto nacional mundial bruto é apenas de 50 bilhões de euros. Isto significa que há 90 bilhões a mais (falsos) que são usados apenas para fins especulativos e a que falta uma base económica real. A dominância incontrolada dos bancos tornou-se um perigo para os Estados. A privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos torna o capitalismo liberal ainda mais desumano.

Há 20 anos deu-se o colapso do sistema económico dos estados comunistas. Pensava-se que o Capitalismo tinha vencido apostando-se no mercado financeiro desregulado. Os resultados estão à vista. A “dolorosa” teremos nós que a pagar!

A aposta dos políticos num mercado que tudo regularia, vê-se agora perdida. Se a política não intervir reduz-se a acólita da ideologia económica. Para evitar males maiores o Estado fica para já como fiador e o contribuinte paga a conta.

A confiança é boa mas o controlo sempre parece ser melhor

António da Cunha Duarte Justo

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Violência - Uma Reacção Inadequada

Violência – Uma Válvula de Escape numa Sociedade Tolerante?
Dois Massacres escolares dentro dum ano na Finlândia
António Justo
Numa escola profissional de kauhajoki na Finlândia, um jovem de 22 anos matou, na terça-feira passada, 8 mulheres e 2 homens, suicidando-se, por fim, com uma arma de fogo. Ele tinha anunciado o “massacre escolar em Kauhajoki”na sua página de Internet. Queria matar o maior número de pessoas.

Também no mesmo país, em Novembro passado um aluno de 18 anos tinha matado 8 pessoas, suicidando-se também ele. Na Finlândia é permitido o porte de armas a partir dos 15 anos.

Que motivos estarão por baixo de tais acções?

Normalmente os assassinos são pessoas estranhas que vivem isoladamente, individualistas, movidos pelo ódio e pela vingança.

Habituados a uma sociedade que não reconhece a normalidade e a uma opinião pública irrigada de superlativos, querem para si também o estatuto de superlativo. Já que não se é o melhor é-se o pior. Então a sociedade tomará nota dele!...

Quando tão alto grau de agressão encontra o seu lugar de expressão na escola, já a sociedade se encontra muito doente.

A violência e o mau exemplo estão presentes por todo o lado: sociedade, família, escola, TV, tempos livres, etc.

O grau de tolerância da violência e da agressão é muito grande na opinião pública. Ninguém tem coragem de se declarar contra a violência, publicamente. Não se liga já a pessoas que gritam por ajuda.

O anonimato da sociedade torna-se a antecâmara da violência.

Ninguém tem tempo para as crianças; ninguém presta atenção ao seu carácter único; não são tomadas a sério e ninguém as tem em consideração.

Muitas vezes a violência não passa dum grito por amor, por carinho. Os sentimentos, depois de muito sofrer, acabam por morrer. Uma vez mortos automatizam-se, perdem a relação com as pessoas e com as coisas. Na falta de relação com pessoas a personalidade definha e com ela a dignidade. A desilusão torna-se tão grande que não encontra resposta capaz para as suas preocupações. O acto brutal torna-se então natural. A frustração transforma-se nesse caso em violência contra os outros ou, através da depressão, em violência contra si memo.

Surge assim uma válvula de escape para tanta agressão acumulada.

Não chega aprender a lidar com as agressões através de carate, jogos e filmes, jogos de futebol... Os sentimentos de agressão fervem demais por todo o lado. Parecem resposta inadequada a tanto vandalismo ideológico, material e espiritual, em voga e à falta de consideração.

Mais que uma atitude social que apregoa a tolerância como remédio para todas as suas contradições, precisa-se duma postura social que fomente uma cultura do amor e do carinho. Para se dominar a violência não chega o empenho na educação; é necessária uma mudança de mentalidade e atitude em todos os sectores sociais.

Uma sociedade, cada vez mais estruturalista que prescinde da pessoa não se pode admirar que indivíduos, seus produtos, abdiquem de si mesmos e prescindam dela também. Coitados dos mais fracos. Coitada da sociedade quando estes se vingam.

Resta-nos passar duma política social da defensiva para uma cultura da confiança. Uma cultura e uma personalidade, que aceita a sua luz e a sua treva e não reserva o louvor para si a culpa para o outro, terão os pressupostos para se melhorar.

Há que ter compaixão com os réus e com as vítimas, misericórdia connosco mesmos e com os outros.

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

sábado, 20 de setembro de 2008

Portugueses da Diáspora impedidos de votar por correspondência

LEI PARTIDÁRIA PRIVILEGIA A ESQUERDA

António Justo
Os ventos da democracia sopram bem para os Zé-pereiras da Política. O Projecto-lei nº 562/X proposto pelo PS passou ontem (19.09) no Parlamento. A alteração da Lei Eleitoral, ao proibir aos emigrantes a votação por correspondência para as legislativas, vem servir os interesses da Esquerda portuguesa, atendendo à sua implantação em torno dos consulados portugueses na Europa. Assim se excluem os votantes portugueses que vivem a centenas de quilómetros dos consulados onde terão de ir para poderem votar. Se em Portugal se tomasse a mesma medida, e as pessoas não poderem votar no lugar de residência, naturalmente só os negociantes políticos se deslocariam tão longe para votar.

Este é um golpe bem dado contra o PSD, a quem falta uma estratégia de implantação nas comunidades migrantes e de ocupação de lugares estratégicos da Administração, ao contrário da esquerda.

Sócrates, a um ano das próximas eleições (Outubro 2009), já vai preparando as próximas eleições para o seu partido. O álibi da eleição de 4 deputados representantes de 5 milhões de emigrantes, para um parlamento de 230 deputados, não irá piorar com a redução de votos de emigrantes dado a política portuguesa de emigração ser apenas simbólica e o oportunista.

Nos últimos 30 anos de empenho directo na diáspora serei levado a concluir que o Zé-Povinho se encontra sempre do lado da carência e dos explorados. Não têm tempo nem predisposição para se ocuparem com a política, que em Portugal já há centenas de anos se encontra quase sempre nas mãos de mercenários. O povo ainda continua a ser tradicional acreditando em valores humanos. Talvez por isso ainda não arrisque na política.
Os Zé-Pereiras da Política podem fazer o que quiserem. Podem também abusar do povo que ninguém lhes pede contas. Só lhe resta já o privilégio de votar. Votar sempre nos outros! Ao povo resta-lhes a possibilidade de canalizarem a agressão contra o vizinho.

O exemplo da legislação entrada em vigor é um pequeno exemplo e prova de que as instituições e a economia começam por ser para o bem do Homem e depois depravam-se vivendo para elas mesmas. Um tal estado de coisas não edifica o Estado, fomenta apenas a “ordem” dos que vivem a custo da ordem!...

Portugal não tem a consciência de nação nem de quem a incorpora. Com esta lei o PS rouba a dignidade ao povo para acrescer ao partido.

Esta fraude eleitoral, tal como outras, em termos de sociologia portuguesa, pertence às questões do destino e por isso pertence, como a nação ad acta. Já que o Portugal real que temos está à disposição de alguns; para os outros, os contribuintes reais resta-lhes o Portugal Virtual.

Mais esta iniciativa partidária legislativa, tal como a extinção da conta emigrante e o impedimento dos portugueses residentes na Europa não poderem terem os mesmos direitos que os outros europeus têm, de comprar o carro onde querem sem impostos suplementares, deve constituir motivo para os emigrantes se unirem e se organizarem em grupos de interesses.

António da cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

PS e PC contra o Voto por Correspondência!

DESCARAMENTO DO PS CONTRA OS EMIGRANTES E CONTRA O PSD
Projecto – Lei contra o voto por correspondência
António Justo
O projecto-lei socialista de acabar com a votação por correspondência na diáspora portuguesa não passa duma medida partidária no sentido de arrumar com os votos da concorrência.

Os Factos
Em 2005 os resultados das votações no Ciclo da Europa foram PS 53,3% e PSD 26,7% e no Ciclo Fora da Europa PS 26,7% e PSD 58,4%.

A organização sindical e política das estruturas consulares portuguesas da Europa encontram-se nas mãos da esquerda. A impossibilidade da votação por correspondência vem privilegiá-la atendendo a que os locais de voto são nos consulados, zonas com melhores infra-estruturas da esquerda..

Muitas comunidades portuguesas encontram-se muito distantes dos consulados. Deslocações de várias centenas de quilómetros para se deslocar ao local de voto são inadmissíveis.

Enquanto que a estratégia da Esquerda tem sido ocupar todas as posições de relevo a nível de Administrativo e de Serviços na Europa e nos meios associativos das grandes cidades, o PSD apenas tem seguido uma estratégia ad hoc e pessoal sem visão partidária nem perspectivas a longo prazo.

A esquerda não tem mão nas comunidades fora da Europa, ao contrário do que acontece na Europa.

A iniciativa legislativa apoiada pelo PC é uma medida para estrangular a votação do Ciclo fora da Europa e, na Europa, de impedir que núcleos, fora dos centros de influência da esquerda possam votar por correspondência.

O Projecto-Lei do PS pretende obter maior abstenção porque com ela é que ele ganha.

A Esquerda faz tudo por instaurar um estado partidário à margem dos cidadãos. Por outro lado a ala Centro Direita é demasiado individualista e desinteressada para se empenhar nos interesses do seu ideário.

A argumentação PS com “a questão de transparência” do voto é um pretexto barato e atrevido.

Ao afirmar que a transparência que se adquire com a anulação do voto por correspondência é “ importante para haver a certeza de que quem exerce o direito de voto é o titular e não terceiro em seu nome”, posiciona-se claramente contra toda a prática de votação europeia. De facto nas democracias ainda com um pouco de respeito pelo eleitor, tal como aqui na Alemanha, é usual, recorrendo-se muito ao voto por correspondência.

Porque é que um PS tão puritano não decreta também a impossibilidade de os portugueses votarem por correspondência para os deputados do parlamento europeu? A lógica e os perigos são os mesmos. Em nome da transparência se consegue enrolar o povo, servindo-se interesses partidários mentirosos contra os portugueses da diáspora.


Atendendo à rede instalada, pela esquerda, em torno dos consulados e serviços sociais na Europa, o PC votará a favor da lei dado esta ser mais uma medida na estratégia de defesa dos interesses partidários.


Concretamente, para a emigração, isto pouco aquece ou arrefece dado todos os partidos com assento no Parlamento serem geralmente abstencionistas no que toca aos verdadeiros interesses dos emigrantes. O governo acabou com a conta poupança migrante e ninguém se interessa. O governo paga milhões de multa à Europa para que os emigrantes portugueses na Europa não possam trazer para Portugal os seus carros sem encargos fiscais, etc.

A democracia, entregue a gente deste calibre, apenas interessada na instauração dum estado partidário, é desvalorizada e corre cada vez mais perigo. Eles não conhecem o cidadão e até já se atrevem a prescindir de eleitores. É preciso descolonizar a Nação dos colonizadores de Abril! “Eles comem tudo e não deixam nada…”

Este Governo, que aposta na virtualização de Portugal, para assim o melhor amarrar a Lisboa, porque não virtualiza também o sistema de votação?

Onde só há povo e faltam os cidadãos a “nomenclatura” ocupa o Estado!

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

COMO TRATAR O CANCRO

Um Médico consegue armar-se contra o Cancro
António Justo
Dado contactar no meu dia a dia com pessoas com cancro, acrescento aqui algumas ideias sobre o assunto, recomendando a leitura de David Servan-Schreiber.

David Servan-Schreiber neurólogo e psiquiatra, depois de ter visto curado o seu tumor maligno no cérebro, passados sete anos, teve uma recaída aparecendo-lhe um segundo tumor maligno. A partir daqui não se abandonou nas mãos dos médicos, questionando-se sobre o que deveria fazer ele mesmo para interferir no processo de cura. Neste sentido procurou acompanhar a chemoterapia também com meios alternativos.

Constatou que o fortalecimento dos mecanismos de defesa do corpo era essencial para impedir o crescimento do tumor. Nas suas experiências verificou que o gene não é decisivo para o aparecimento do cancro. Mais determinante parece ser o solo alimentício que as células cancerígenas encontram no corpo. Uma vez que o cancro tenha aparecido, a alimentação não o pode dominar sozinha. O sistema imune, sozinho, é uma arma demasiado fraca contra o cancro. Mas uma vez que se tenha dominado o cancro através dos métodos convencionais, então é preciso fortalecer-se o sistema imune através duma alimentação natural adequada e dum estilo de vida equilibrado para que o cancro não tenha tantas chances. Com a idade o sistema imune enfraquece!...

O autor, baseado na sua experiência, escreveu em 2007 o livro: “Anticancer. Prevenir et lutter grâce à nos défenses naturelles”, agora traduzido para Alemão com o título „Das Anti-Krebsbuch“. Encontra-se traduzido em português com o título: ”Anticâncer : Previnir e Vencer Usando Nossas Defesas Humanas”. O autor procura apresentar o cancro também sob a perspectiva do paciente. Para ele os nossos mecanismos de defesa naturais têm um papel decisivo na cura. No Ocidente dão-se de 7 a 70 vezes mais casos de cancro do que na Ásia embora aqui as pessoas tenham a mesma quantidade de microtomores. Mais que o gene parece ser o modo de vida que determina o aparecimento do cancro.

Como proceder contra as condições fomentadoras do cancro? Entre outras temos o ambiente, alimentação, feridas da alma e a fraqueza do sistema imune (processos de inflamação).
Cancro torna patente a transitoriedade e a fragilidade da vida.Na prevenção é importante prestar-se atenção ao estilo de vida e às causas ambientais. A sua mudança pode tornar-se num factor impedidor do desenvolvimento dos microtumores. Isto porém não anula as formas tradicionais de tratamento.

As células cancerígenas são caóticas, não obedecem a regras e colocam o corpo em estado de sítio. O seu inimigo é o sistema imune. O sistema imune reage bem a alimentação sem venenos, ao movimento, às emoções positivas. Ele pode ser activado através de “culinária mediterrânea, indiana e asiática, através de sentimentos vividos, de calma e serenidade, do apoio através de amigos e família; do aceitar-se como se é, com os seus valores e a própria história e através de movimentação regular”.

Quanto mais leguminosas, feijão, ervilhas e lentilhas se consome num país, menos cancro se regista. O consumo de azeite ou de óleo de linhaça, em vez doutros óleos, é bom contra o cancro. A proximidade, a autenticidade, alegria de viver, são muito importantes. Em 1940 em cada 100.000 mulheres havia cerca de 50 com cancro de peito. No ano 2000 em 100.000 havia 140 casos. Nota-se uma relação entre o desenvolvimento da agricultura e a alimentação. O aumento do açúcar refinado, da farinha branca e óleos de planta, todos sem proteínas, sem vitaminas nem minerais tem aumentado desproporcionalmente favorecendo o rebentar do cancro. O cancro alimenta-se de açúcar. O açúcar amarelo não é tão prejudicial.

Um dos perigos é também os charlatães! Estes notam-se pelos tratamentos alternativos caros que apresentam; ou quando fazem depender o efeito do tratamento do desejo autêntico do paciente; ou quando o terapeuta não quer colaborar com o médico e aconselha o paciente a renunciar aos métodos de tratamentos convencionais. Há muita gente interessada no negócio com os doentes!... O efeito placebo também pode ser um elemento não desprezível.

Rituais e tratamentos através de “pessoas espirituais” ou de meditação e oração são métodos de fortalecimento da força vital do paciente e da libertação das forças negativas que o ameaçam (tais como medos e culpas). O paciente deve recuperar a sua integralidade reencontrando a sua paz interior. Ao ser ajudado recupera energias perdidas no seu sentimento de impotência, de abandono e de medo e da carga do passado. Desejos insaciados, esperanças desiludidas, frustração, falta de sentido fomentam o stress e a entropia.

A coerência de corpo e alma e a ressonância de pensamento e coração pode ser alcançada também através da meditação. Um bom meio é a concentração na respiração. Ao centrar-me na respiração torno-me automaticamente consciente do meu corpo, movendo em sua ajuda outras forças emocionais e espirituais. O nosso lema central deveria ser: viver mais conscientemente para podermos ajudar a mudar o nosso comportamento e o das nossas células.

Há casos tão extremos em que só resta já a oração. Na oração não se trata de pedir o milagre mas de se mover no mundo do milagre. Trata-se de mobilizar as reservas latentes na consciência individual e comunitária. Não estamos sós. Deus está em nós e connosco. Ele não quer o nosso mal nem a doença. A doença faz parte do mistério e o desbloqueamento dela não está completamente nas nossas mãos. Há pessoas que se curam outras não e não se sabe porquê. Há pessoas com uma vida espiritual e alimentícia muito cuidada que morrem de cancro enquanto que outras sem esses cuidados são mais resistentes. Para muitas coisas não há explicações e, por vezes, o refúgio no mundo das ideias impede-nos de entrarmos em nós mesmos.

O nosso pensamento não pode ser ditado pela doença, nem pela opinião de quem quer que seja. Às vezes temos que “fazer das tripas coração”! Apesar de tudo só nos resta ver a vida como projecto e orientar o fluxo da energia para um objectivo surgido do interior e aquecido no sentimento e na confiança. Sentido e decisão conduzem à harmonia interior.

Para um desenvolvimento sadio é importante a interpretação da doença, numa reacção positiva, para assim melhor possibilitar o desenvolvimento das próprias capacidades. O sentimento de impotência também pode tornar-se em oportunidade para um redobrar de forças no sentido dum novo começo na descoberta da vida como projecto...

“Levai os fardos uns dos outros… (Gal 6,2). A dor no mundo é incompreensível e não tem resposta. Não temos o mundo na mão nem tão-pouco a nossa vida. Ao lado da perspectiva da cruz só fica a escuridão. O pregado na cruz é, entretanto, ao mesmo tempo o humilhado, vítima da dor e o exaltado.

António da Cunha Duarte Justo

domingo, 14 de setembro de 2008

PAPA BENTO XVI EM PARIS

O Presidente francês defende uma Laicidade Positiva

António Justo
Uma surpresa: o Papa que ia em peregrinação a Lurdes para comemorar o jubileu dos 150 anos das aparições de Nossa Senhora a Bernardette Soubirous, vê-se honrado pela imprevista recepção oficial do presidente francês Nicolas Sarkozy. A oposição francesa insurge-se contra o Presidente pelo facto de ele receber o Papa como um Presidente de Estado. Vêem em perigo o Estado laico.

O presidente francês pretende com isto dar um sinal para que o laicismo estatal se torne numa “laicidade positiva” defendendo um diálogo aberto entre religião e política e uma nova reflexão sobre as “raízes cristãs europeias”. O bem da sociedade não se pode reduzir apenas às vertentes económica, mercantil e política. Para se desenvolver equilibradamente e em harmonia terá de abrir o seus horizontes também à vertente metafísica.

No discurso, o Papa secundou as ideias do Presidente, louvando a bela ideia da “laicidade positiva” dizendo que “religião e política têm de estar abertas uma à outra … e que a política tem de se tornar mais consciente da função insubstituível da religião na formação da consciência”.

De facto, um certo laicismo fanático encostado às instituições estatais (uma certa esquerda e maçonaria), em vez de se afirmar com se afirma contra a religião cristã deverá fomentar um diálogo pela positiva e não apenas pela negativa. Religião e laicismo são elementos importantes do Estado. O que não deve é nem um nem outro apoderar-se do Estado.

A igreja católica tem vindo a perder terreno na França com grande falta de padres (esta, também, devida à sua obstinação anacrónica no celibato). O Islão ganha cada vez mais terreno e significado. Numa nação em que os muçulmanos se afirmam cada vez mais conscientes de si mesmos, e onde ocupam já o segundo lugar entre os grupos religiosos franceses, não seria salutar, para a nação, a existência dum cristianismo envergonhado, sempre atacado pelos inimigos da religião, quando os outros são poupados, por razões consideradas óbvias. Se por um lado se respeita a sensibilidade religiosa muçulmana, por outro, os símbolos cristãos põem-se muitas vezes a ridículo. Grupos racionalistas e socialistas rivais do cristianismo, revelam-se, por vezes, muito agressivos contra o Catolicismo, poupando o Islão, por oportunismo ou interesse; deste modo impedem um diálogo adulto entre religiões e política, prestando por outro lado um mau serviço ao Estado e à Nação.

Sarkozy, numa visão preclara, está consciente do descalabro em processo na sociedade europeia e o vírus que roí por dentro as nações europeias. Por isso designa a religião como o elo de ligação duma sociedade. Os sistemas políticos passam e as religiões ficam. Há que manter um espírito e um diálogo independente mas construtivo. Um grupo deve ser o cadinho purificador do outro. A EU precisa de redescobrir as raízes cristãs que estão na base dos seus valores e da sua própria laicidade e por isso manter-se como seu ideário garante continuando a empunhar na mão o archote da esperança.

Hoje, o Papa falará em Lurdes. Muitos católicos acreditam que Nossa Senhora apareceu a Bernardette, onde “a Senhora branca” a 25 de Fevereiro pediu à jovem para “beber da fonte e se lavar”. “Bernardette revolveu a terra e em breve brotou um pouco de água lamacenta e ela bebeu dela”. Muitos vêem na descoberta da fonte como provada da autenticidade das aparições. A água de Lourdes tornou-se famosa sendo anualmente enviados 40.000 litros dela por todo o mundo, ao preço das custas de transporte.

Dos milagres acontecidos em Lourdes a Igreja reconheceu, oficialmente, até hoje, 67 curas inexplicáveis.

Talvez o próximo milagre de Lourdes seja o de possibilitar na cabeça de socialistas e crentes a compatibilidade entre religião e socialismo, a harmonia entre secularismo e religião.

António da Cunha Duarte Justo

PAPA BENTO XVI EM PARIS

O Presidente francês defende uma Laicidade Positiva

António Justo
Uma surpresa: o Papa que ia em peregrinação a Lurdes para comemorar o jubileu dos 150 anos das aparições de Nossa Senhora a Bernardette Soubirous, vê-se honrado pela imprevista recepção oficial do presidente francês Nicolas Sarkozy. A oposição francesa insurge-se contra o Presidente pelo facto de ele receber o Papa como um Presidente de Estado. Vêem em perigo o Estado laico.

O presidente francês pretende com isto dar um sinal para que o laicismo estatal se torne numa “laicidade positiva” defendendo um diálogo aberto entre religião e política e uma nova reflexão sobre as “raízes cristãs europeias”. O bem da sociedade não se pode reduzir apenas às vertentes económica, mercantil e política. Para se desenvolver equilibradamente e em harmonia terá de abrir o seus horizontes também à vertente metafísica.

No discurso, o Papa secundou as ideias do Presidente, louvando a bela ideia da “laicidade positiva” dizendo que “religião e política têm de estar abertas uma à outra … e que a política tem de se tornar mais consciente da função insubstituível da religião na formação da consciência”.

De facto, um certo laicismo fanático encostado às instituições estatais (uma certa esquerda e maçonaria), em vez de se afirmar com se afirma contra a religião cristã deverá fomentar um diálogo pela positiva e não apenas pela negativa. Religião e laicismo são elementos importantes do Estado. O que não deve é nem um nem outro apoderar-se do Estado.

A igreja católica tem vindo a perder terreno na França com grande falta de padres (esta, também, devida à sua obstinação anacrónica no celibato). O Islão ganha cada vez mais terreno e significado. Numa nação em que os muçulmanos se afirmam cada vez mais conscientes de si mesmos, e onde ocupam já o segundo lugar entre os grupos religiosos franceses, não seria salutar, para a nação, a existência dum cristianismo envergonhado, sempre atacado pelos inimigos da religião, quando os outros são poupados, por razões consideradas óbvias. Se por um lado se respeita a sensibilidade religiosa muçulmana, por outro, os símbolos cristãos põem-se muitas vezes a ridículo. Grupos racionalistas e socialistas rivais do cristianismo, revelam-se, por vezes, muito agressivos contra o Catolicismo, poupando o Islão, por oportunismo ou interesse; deste modo impedem um diálogo adulto entre religiões e política, prestando por outro lado um mau serviço ao Estado e à Nação.

Sarkozy, numa visão preclara, está consciente do descalabro em processo na sociedade europeia e o vírus que roí por dentro as nações europeias. Por isso designa a religião como o elo de ligação duma sociedade. Os sistemas políticos passam e as religiões ficam. Há que manter um espírito e um diálogo independente mas construtivo. Um grupo deve ser o cadinho purificador do outro. A EU precisa de redescobrir as raízes cristãs que estão na base dos seus valores e da sua própria laicidade e por isso manter-se como seu ideário garante continuando a empunhar na mão o archote da esperança.

Hoje, o Papa falará em Lurdes. Muitos católicos acreditam que Nossa Senhora apareceu a Bernardette, onde “a Senhora branca” a 25 de Fevereiro pediu à jovem para “beber da fonte e se lavar”. “Bernardette revolveu a terra e em breve brotou um pouco de água lamacenta e ela bebeu dela”. Muitos vêem na descoberta da fonte como provada da autenticidade das aparições. A água de Lourdes tornou-se famosa sendo anualmente enviados 40.000 litros dela por todo o mundo, ao preço das custas de transporte.

Dos milagres acontecidos em Lourdes a Igreja reconheceu, oficialmente, até hoje, 67 curas inexplicáveis.

Talvez o próximo milagre de Lourdes seja o de possibilitar na cabeça de socialistas e crentes a compatibilidade entre religião e socialismo, a harmonia entre secularismo e religião.

António da Cunha Duarte Justo

MEDITAÇÃO MARIANA

A Ciência confirma Efeitos curativos das Rezas
António Justo
As áreas científicas da medicina, da teologia, da sociologia e da psicologia cada vez se complementam e interferem mais. A ciência através de investigações feitas na universidade de Pádua, pelo cientista Luciano Bernardi, descobriu experimentalmente que a forma meditativa e rítmica da reza do Terço alternada sintoniza os ritmos biológicos do corpo, cria harmonia e estabiliza a saúde da pessoa. A recitação da Ave-Maria assim como de jaculatórias meditativas (mantras) e de ladainhas provoca fisiologicamente o retardamento da frequência respiratória fortalecendo assim o coração e os pulmões. Os fôlegos (inspiração – expiração) do adulto têm uma frequência de 12 a 20 por minuto. Verificou-se que durante a reza alternada da Ave-maria a frequência respiratória chega a baixar a seis fôlegos por minuto. A baixa frequência respiratória conduz-nos à sintonia orgânica do corpo através da influência da frequência cardíaca da regulação da tensão arterial e da ressonância com o universo na participação do espírito.

É de registar que em diferentes culturas as palavras, respiração, atmosfera, ambiente, se encontram etimologicamente interrelacionadas.

O medo, a ansiedade, a depressão, o stress, a excitação aceleram o ritmo da respiração e com ela perturba-se o ritmo cardíaco e a tensão. A interferência na actividade respiratória provoca a regulação do metabolismo da ligação do oxigénio e dióxido carbónico no sangue, mudando-se assim, com ela, a química do sangue.

A técnica da respiração, usada também na reza do terço, une a parte superior do coração – razão com o abdómen, criando assim uma frequência de vibração dos órgãos, na sintonia e interacção da matéria e do espírito. No recolhimento, o medo e o sentimento de impotência dão lugar à mudança surgindo o sentimento de satisfação e realização.


Meditação da Reza do Terço
A Reza do Terço em grupo e em privado desvia-nos do ritmo do dia a dia introduzindo a pessoa numa frequência ritmada que possibilita, através da respiração abdominal e da concentração, o acesso à vida interior e ao equilíbrio psicossomático. Para o efeito entram em sintonia: coração, cérebro, pulmões e consequentemente o espírito. Através da respiração consciente, no abdómen, no peito, nos ombros sentem a tensão e distensão do inspirar e expirar unido ao coração e ao sentimento espontâneo. Aqui se interfere a acção do corpo e do espírito em colaboração e interferência mútua. Assim se contribui para o equilíbrio da vida. Se alguma parte do nosso corpo está dolorosa podemos, através do pensamento dirigir para lá a respiração para que também esta parte seja, de forma dirigida, incluída no jorro da vida, no amor.

O saber religioso de que a respiração unida à palavra conduz à unidade no sentido original da religião: re-ligar, é um património de toda a humanidade. A consequente paz interior é um efeito acessório. A reza do terço, no sentido católico, não se deixa reduzir a um método de higiene corporal e mental. As diferentes técnicas das diversas culturas, porém, sem o espírito de entrega, e sem a diferenciação dos espíritos, poderiam ficar apenas por uma experiência sentimentalista equívoca (1 Cor 19).

Curioso é o facto da recitação do terço, na igreja católica, ser conduzida, por todo o lado, por dois grupos, de maneira alternada, correspondentes à inspiração e à expiração. Enquanto o padre, o dirigente ou um grupo recita, dum folgo, “Ave-maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus”, o grupo responde “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte. Ámen.“ Também, na reza individual, a primeira parte corresponde à expiração e a segunda à inspiração.

A reza sintoniza as forças através da respiração ritmada que une o exterior ao interior e fomenta o ritmo cardíaco natural e a concentração da inteligência, resultando daí o bem-estar que predispõe a pessoa para a recepção de mensagens religiosas, para a percepção intuitiva, para a entrada em contemplação.

Na devoção popular, além da recitação do Terço são métodos comuns de acesso à contemplação o uso da repetição de palavras, frases em voz alta, em voz baixa ou simplesmente em pensamento. Cada pessoa, segundo o seu estado e mentalidade, encontra inconscientemente a palavra, jaculatória que melhor lhe corresponde. Na pastoral juvenil usa-se também o canto no passeio, a observação do pôr / nascer do sol, da natureza, juntando-lhe o elevar das mãos como formas de acesso ao mistério.

Em oração inspiro o sol da vida e expiro o descanso da noite. Então o mundo respira em mim e eu respiro o mundo. Nesta atmosfera fomenta-se o acontecer da harmonia da “mens sana in corpore sano.”

No cristianismo há diferentes espiritualidades, geralmente ligadas a tradições monásticas ou a congregações religiosas, praticando-se aí as mais diversas formas de meditação, geralmente também aferidas ao meditante / orador. Nos ortodoxos está muito generalizada a prática da concentração no coração e de na inspiração dizerem “senhor Jesus Cristo” e na expiração “tem compaixão de nós”. No cristianismo, em geral, além de jaculatórias mais ou menos individualizadas é frequente o uso da palavra “Jesus” na inspiração e da palavra “Cristo” na expiração. Cada circunstancia pode solicitar uma palavra comum característica, tal como podemos verificar a alegria da época pascal na expressão: “Oh, Aleluia” Na escolha das palavras predilectas, geralmente usa-se a palavra ou parte mais curta na inspiração e a mais longa na expiração.

Outras formas de meditação praticadas nos conventos são: a meditação através do andar, dos gestos, do canto monótono, do silêncio, de ladainhas e de outras palavras surgidas do coração ou da tradição religiosa, ligadas à respiração.

Uma forma concreta e eficiente de iniciar a oração ou meditação pode ser: concentração na respiração abdominal, para na percepção do corpo se passar depois à palavra. Posso começar pela jaculatória, ou mantra “Oh tu (ao inspirar), Maria (ao expirar) ” para assim entrar na sintonia psicossomática e espiritual. Aqui se unem corpo e espírito a caminho do meu centro. Passo a ensimesmar-me de modo a sentir o jorro da energia universal, o amor, em mim e assim tornar-me parte vibrante dum todo em relação mútua.

Uma outra jaculatória pode ser “Respira em mim, tu Espírito Santo”. Com o tempo podemos nós passar a respirar nele. Uma pessoa não religiosa poderá usar, entre outras, a fórmula “Respira em mim, tu elan vital”.

A repetição individual, como a reza alternada em grupo, com o correspondente eco monótono criam o ambiente propício à dissolução das ideias e emoções do dia a dia. A ligação da palavra à respiração abdominal e ocasionalmente à cantilena daí resultante amplificam a possibilidade de viver o momento presente. Aí deixo de ser estrangeiro para fazer parte do Ser todo. O mesmo se diga da oração privada.

A Deus, à ipseidade pode chegar-se também através do vibrar do som (“No princípio era a palavra”). O ritmo da palavra e da respiração libertam-nos do pensamento, possibilitando-nos o acesso a outras esferas da realidade, mesmo à contemplação. Naturalmente que estes métodos não podem ser fins em si mesmos, doutra maneira não passariam duma forma sofisticada de atingir experiências semelhantes às da droga.

Trata-se de encontrar a alteridade em relação com a ipseidade, a divindade em nós e entrar assim na ressonância divina. O Mestre Eckehart testemunhava esse processo com as seguintes palavras: “ Deus está em nós, mas nós estamos fora de nós. Deus está em casa em nós, mas nós estamos no estrangeiro.”

A oração ou meditação poderão constituir um momento gratificante no processo criação, incarnação e ressurreição em que estamos envolvidos. A verdade última é a realidade trinitária.

António da Cunha Duarte Justo
“Pegadas do Espírito”, Quinta Outeiro da Luz, 2008

sábado, 13 de setembro de 2008

Meditação e Respiração

Respiração na Tradição Ocidental
António Justo
„No princípio Deus criou os céus e a terra… e o Espírito de Deus movia-se sobre o semblante das águas” (gen 1,1). O respirar de Deus, a força da vida ( a “ruach”= vento, tempestade, o respirar da vida) penetra então todo o ser. A Ruach é o oxigénio espiritual que a tudo dá ânimo. A criação processa-se, desenvolve-se respirando o Espírito Santo.

A cadeia dos metabolismos da respiração interfere na regulação do ritmo pulmonar, cardíaco, tensão arterial, estado psico-somático até ao limiar do Espírito. O ritmo da inspiração e expiração ao provocar movimento abdominal e torácico num movimento de contracção e extensão concentra-nos no corpo e provoca uma abertura geral. Tudo se move, tudo se relaciona. Todo o universo macroscópico e microscópico, material e espiritual, participam do mesmo respirar, da força divina (Ruach).

A vida de Adão começou com o sopro, o hálito de Deus nas suas narinas. Se nos concentrarmos, sentimos segredar do seu sopro no respirar do nosso ser, no marejar do mar, no ciciar da brisa do céu.

A frequência rítmica reduzida de pulmões, coração e cérebro, ajuda-nos a entrar na ressonância universal, na frequência da Ruach (Espírito, sopro). O universo tal como a nossa corporeidade segue o seu ritmo mesmo a nível inconsciente tal como acontece com a respiração na sua qualidade de parte do sistema vegetativo nervoso. Neste processo experimentamos a satisfação de embarcarmos com ele e assim possibilitarmos uma mudança no nosso corpo e na nossa alma. Pela meditação procura-se tornar consciente e presente estes diferentes impulsos.

Pela respiração o dentro e o fora, a vida toda, encontram-se em equilíbrio. Também a respiração abdominal é mais saudável para o corpo e alma. Ela une a parte superior à parte inferior, o cérebro – coração ao abdómen. Na inspiração poderemos ver o acto do pensamento e na expiração o acto do sentimento. Um e outro formam uma unidade perfeita, tornando a matéria e o Espírito compatíveis. Se, em relaxe, nos concentramos na inspiração e expiração seguindo apenas o seu ritmo, sem em nada pensar, então, passado algum tempo, o mundo todo passa a respirar em nós, movido pelo mesmo espírito, que pode ser sentido como amor corrente. Na respiração sentimos corporalmente o efeito do ar e talvez espiritualmente o efeito da acção do Espírito Santo.

Se num lugar calmo nos concentrarmos na respiração facilmente tomamos uma percepção agradável do nosso corpo e com o tempo experimentamos a paz do Espírito em nós. O Espírito, a força criadora divina, revitaliza-nos até aos poros mais íntimos do nosso corpo e da nossa alma. Leva-nos a sintonizar com o universo, com o espírito, tornando-nos parte do todo.
“O meu povo jamais será confundido… acontecerá que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne: os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão; os vossos anciãos terão sonhos, e os vossos jovens terão visões, derramarei o meu espírito sobre os escravos e as escravas”(Jo 3,1-2). A força do espírito é de tal ordem que inebria de energia libertadora todo o homem e toda a mulher acabando com as aquisições e valorizações da carne, para a espiritualizar.

Irrompe o Pentecostes, o tempo da verdadeira comunidade. No momento da dificuldade o Espírito do Senhor desce sobre nós possibilitando o amanhecer do Pentecostes em nós. Neste momento indivíduo e comunidade tornam-se num só coração, criador e criação tornam-se solidários. Aqui acontece o Reino de Deus, a democracia espiritual. “Quem não nascer da água e do espírito não poderá entrar no Reino de Deus… O vento sopra onde quer; ouves a sua voz, mas não sabes onde vem, nem para onde vai. Assim é todo o que nasceu do Espírito”(Jo 3, 5 s). O homem velho que vivia na sombra do mal descobre a luz que ao inebriá-lo o torna novo, e então a faúlha do amor torna-o novo, tal como o fogo que enrubescedor do carvão e do ferro mais negros na forja..

A água lava-nos e o Espírito transforma-nos porque vem de Deus. Cheios do espírito estamos preparados para dar à luz e repetir o acto de Maria no presépio. O espírito mãe em nós desperta a fertilidade e provoca o novo nascimento. Dele surge uma mentalidade nova, um espírito de compreensão diferente do mundano. “O consolador, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, Esse ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito”(Jo 14, 26). O espírito novo, o amor leva a superar a incompreensão das diferentes línguas e culturas. Agora surge o tempo da inspiração que ajuda a superar as fórmulas rígidas das culturas permitindo ver o que as sustém. O espírito jorra em nós, já não somos escravos mas senhores, de estirpe divina. Em nós há muitos dons do espírito escondidos. O barulho da vida e a voz das leis e dos senhores do mundo é tão alto que não deixa perceber mais nada. Se queremos sair do turbilhão no labirinto da vida teremos de parar e aprender, de novo, a ser. “Eu sou o caminho a verdade e a vida.”

Já na Idade Média havia a tendência para mediante técnicas de respiração se facilitar o alcance do estado da profecia. O conhecimento de Deus não se pode alcançar através da especulação mas através do “coração” (lugar da vida divina, entre coração e cérebro), à sombra das ideias, ajudado pelas técnicas religiosas – místicas em ligação com a fala e a respiração. Na sabedoria asiática e na mística cristã a acção do espírito acontece no confluir e jorrar comum de emoção e razão, no confluir da matéria e do espírito, do Jesus e do Cristo.

O canto gregoriano dos conventos, e das igrejas, os encontros de Taizé onde se cantam cânones repetidos e vocalizados, unidos à respiração conduzem à ressonância corporal e espiritual, à vibração universal, ao limiar do espírito e da matéria.

Na palavra aleluia ou no vocativo “oh Aleluia”, encontram-se propriamente todas as vogais que constituem os mais diversos acordes do nosso ser e os sons do universo. A vibração surge do nosso centro para se espalhar em todas as direcções. Os diferentes tons, cantados no ritmo da respiração, provocam a abertura global. O espírito de Deus sopra vibrando na palavra. Do fundo do coração ressoa a essência da nossa alma na vibração do “tudo em todos” de que falam João e Paulo. Os pólos do corpo e da alma, do espírito e da matéria, do céu e do universo unem-se para deixar lugar apenas à ressonância amorosa.

O nosso coração torna-se no centro do universo, passa a existir só a relação, a relação trinitária no substrato do amor. “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”. Agora tornado na natureza Jesus Cristo, o Céu e a Terra abraçam-se, como o esposo e a esposa na consciência duma nova realidade, a realidade trinitária do um em três, do eu no nós. A linha horizontal e a linha vertical tocam-se tal como o espaço e o tempo.

O nosso corpo na forma de cruz abraça toda a humanidade, todo universo. Se na inspiração o universo, Deus, nos abraça, na expiração abraçamos nós Deus, o universo. No amor ágape fraterno universal, sentimo-nos como um invólucro (1 Cor 3,16), uma taça, um sino no qual o ressoar se torna toda a presença.

O movimento da respiração pode então também ser dançado e expresso nos mais diferentes gestos. Fora e dentro, espírito e matéria estão em relação vital como sombra da realidade trinitária. O amor passa a ser o ar que se respira; o espírito que tudo une leva-nos ao mais profundo do nosso ser, do ser universal, da divindade em nós (Rom 5,5). Também no respirar podemos sentir o eco da voz de Deus. Na intimidade desta oração se unem poetas, músicos e religiosos, crentes e não crentes na vibração comum do amor, do Espírito Santo. A nossa humanidade depende do fluxo do amor em nós presente.

A técnica da meditação predispõe-nos para o actuar e agir do Espírito em nós. Ajuda-nos a encontrar outros acessos à Realidade para lá do acesso racional teológico mas sem o excluir. A ânsia da relação, e a procura do sentido manifesta-se na palavra tipicamente portuguesa “saudade” que exprime o profundo espírito poético e religioso da solidariedade existencial e mística. Ela é o lugar da casa paterna, da realização. No inspirar está o movimento para a vida, no expirar o movimento para a morte.

Na respiração unida ao próximo acontecem massagens de reanimação. O amor expresso na Ruach é presencializado (Jo 14,15-21) pelo nosso respirar no amor (Jo 15, 9-17). Deus está-nos mais próximo que o nosso próprio respirar, dizia também Agostinho.

A natureza está sempre presente nos momentos mais significativos da presença de Deus: no Arco-Iris, na trovoada, na volta de Jesus como faísca ou raio (Lc10,18; 17,24), na abertura do céu no baptismo (Mc 1,10), no tremer da terra na sua morte (Mt 27,51).

As metáforas dos sentidos apontam para uma realidade mais profunda. Na solidariedade cristã universal aí se experimenta o mundo como o “meio divino” como tão bem soube formular Teilhard de Chardin. Em Cristo tornamo-nos tudo em todos como tudo se transforma em Jesus Cristo, reconciliando-se nele a Matéria e o Espírito. Nele, o aqui e agora, têm sentido, sendo assim o optimismo um característico do espírito cristão.

António da Cunha Duarte Justo
“Pegadas do Espírito”, Quinta Outeiro da Luz, 2008

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Fomento do Estado contra a Nação: A Nação virtual - Regionalismo a Alternativa

Regionalismo – A Alternativa
Necessidade de domar a Globalização e a União Europeia
António justo
A União Europeia e a Globalização vivem da centralização político-administrativa e apostam na força dos mais fortes contra os biótopos naturais e culturais mais fracos. Hoje, como na revolução industrial assiste-se à movimentação das massas proletárias. Se do século XIX até à segunda guerra mundial se movimentavam do campo para as cidades, hoje deslocam-se dos países subdesenvolvidos para os industrializados.

Fomento do Estado contra a Nação: A Nação virtual
A globalização provoca o engrandecimento das grandes nações, tal como a revolução industrial fomentou os grandes centros industriais citadinos. Tanto a industrialização como a globalização se afirmam à custa das regiões, do campo e da cultura. O grande capital instala-se nos locais de mão-de-obra barata, tornando-se mesmo ele num factor de insegurança devido à sua mobilidade de interesses. É interessante observar, numa nação como a Alemanha, a luta desesperada desta pela fusão dos bancos nacionais para assim poder manter influência financeira na concorrência internacional e poder continuar a afirmar-se como nação. De facto, as leis do Estado já não têm influência no capital. A política desorientada procura agarrar-se a ele. Porém, o caudal do capital é tão forte que tudo engole.

Que acontecerá então aos países sem relevância nos fluxos internacionais do capital e das ideologias? O interesse na desmontagem das nações serve-se da ideologia contra a terra e dos mercenários da ideologia que se aninham no Estado e, a preço de boas comendas, fortalecem o Estado à custa da nação, do povo. Para mais facilmente prescindirem do povo constroem a nomenclatura virtual servida por uma administração parasitária apenas atenta à vontade ideológica. A nação passa assim a ser um espaço virtual e o Estado um monstro, longe do coração do povo.

A globalização, com a sua troca ilimitada de mercadorias, estraga mais ainda o ambiente natural. As potências europeias são as mais beneficiadas com a globalização, vivendo da exportação, devido à sua tecnologia superior. Por outro lado as economias rudimentares dos países europeus menos desenvolvidos são destruídas pela China, onde, por seu lado, as potências industriais investem os lucros das suas exportações.

A EU tira à Nação a sua competência legislativa e a Globalização determina o executivo. Resta aos governos o papel de executores do anónimo e o artifício do moralismo nacional para darem a impressão ao povo de que a nação ainda existe no desconcerto/desconserto dos Estados e assim poderem motivar o povo distraído a votar de quatro em quatro anos e assim verem legitimado o desgoverno. As antigas “forças de trabalho” desviadas dos biótopos naturais das regiões, depauperadas e proletarizadas, vêem agora o fruto do seu trabalho ser inutilizado pela carestia de vida, carga de impostos e desvio dos rendimentos em benefício das oligarquias partidárias e administrativas, as únicas com alimentos assegurados e dum Estado insaciável.

O campo, a natureza despovoa-se para se criarem monstros citadinos onde um povo anónimo, sem um bocado de terra onde possa cair morto, disponibilize o corpo e a alma ao serviço duma economia desgastante e duma política mercenária. Vive-se numa sociedade ao Deus dará. A economia e a política, a continuarem assim, preparam já o seu colapso.


Uma vez destruídas as economias do interior e a classe média surgida da revolução industrial a EU e os Globalizadores apostam numa oligarquia administrativa engordada disposta a ceder a todos os caprichos duma chefia mercenária desconhecedora da terra e do povo mas interessada na ideologia e no capital. As pseudo-elites passeiam a sua mediocridade nas organizações celestes da órbita nacional e internacional. Promovem-se sociedades sem identidade e sem carisma próprio. A política quer uma sociedade nivelada por padrões impostos. Para se legitimar basta-lhe a ideologia e a intervenção nos canais da rádio, televisão e imprensa.

O Direito deixou de ser relacionado à nação e ao seu povo para servir e ser ditado por interesses anónimos “superiores”. Aos políticos resta-lhes assim o honroso papel de aplicar as leis ditadas pela EU, sem precaver os interesses nacionais mais legítimos. Para não terem complicações, banalizam a carreira de juízes imberbes para que estes, de ânimo leve, tomem decisões sem o mínimo de responsabilidade e de experiência da vida. O sistema de ensino é aferido à precariedade: para o cidadão proletário basta-lhe ter aquecido os bancos da escola e pensar que tem opinião própria legitimada pela democracia partidária. O futuro parece predestinado para os amigos do alheio e para algum mais atento.

Regionalismo como Embargo à Cleptocracia
Devido à desnacionalização em curso assiste-se à necessidade de defesa das religiões e ao aparecimento de grupos ideológicos e à violência organizada. O povo precisa de ver solo onde colocar os pés! A desmontagem das nações em favor de blocos, a continuar uma política que tem em vista apenas uma economia sem as pessoas, fomentará a alcaidização social.

A alternativa será a opção por uma política que tome a sério as pessoas e a terra: uma nova política orientada para as regiões e compensadora da desnacionalização em via. Vai sendo tempo de se formarem novas oligarquias naturais regionais, contrapostas às oligarquias ideológicas que como as moscas se centram no aparelho do estado. Se antigamente tínhamos os beneficiados e os bobos da corte, hoje temos os do Estado em torno dos ministérios.

As regiões têm de interferir no poder e defender-se. A globalização só será responsável se tiver em contrapartida a força das regiões. Para isso será necessário criar-se a democracia das regiões dado a democracia partidária cada vez se encontrar mais alheia à terra e ao povo. Só uma democracia cultural da base poderá limitar a força dos produtos de fora, favorecendo os regionais. Os produtos locais são menos poluidores do ambiente evitando o transporte e fomentando lugares de trabalho.

A economia do futuro terá de passar a respeitar na só a natureza mas também a moral oferecendo mais perspectivas locais e contando com a pessoa humana nos seus planos. De facto, a grande empresa apanha para si o que promete mais proveito, o resto fica. A Nação é impotente. Assim se mina a democracia: com o turbo-capitalismo com a sua economia abstracta irresponsável e com o socialismo parasita encostado ao Estado. A crise poderia tornar-se na hora do povo, na oportunidade da democracia. Contra isto está o facto dos “nossos melhores” serem mercenários e a apatia e desorientação popular! A política aliada à economia quer-nos ocasionais e inconsistentes, tão incoerentes como as suas opiniões! Daí o desespero, perante um aparelho cada vez mais incontrolável.

A insuficiência do presente vinga-se no passado. A nível local e regional terão de se criar iniciativas e estruturas com um modelo de desenvolvimento em que a pessoa humana se possa articular. O Estado terá de passa a ser mais acidental. Precisam-se regiões e pessoas dinâmicas e abertas a todos. A nação e a sociedade terão de passar a ser de todos para todos. Para isso é preciso regionalizar a nação e despartidarizá-la. Portugal teria de ser dividido em três regiões com o substrato cultural dos “Homens Bons” para se impedir o fomento das superstruturas da cleptocracia. Quando nos dispomos a restituir a dignidade ao povo?
Precisamos também duma política externa mais virada para as antigas províncias ultramarinas. As necessidades de uns e outros podiam encontrar respostas possibilitadoras de desenvolvimentos orgânicos e sociais sem saltos, ajudando a evitar que uns e outros se tornam vítimas da praga dos gafanhotos.

A democracia, a nação, não pode continuar a ser canalizada para o Estado, para o partido. A democracia autêntica surge do povo para o povo, das regiões para as regiões. Seria problemático se os “refugiados” das regiões se continuassem a refugiar nas trincheiras das capitais contra as regiões e contra o povo. A continuar assim a nação deixaria de ter cidadãos para passar a ser um Estado sem cidadãos mas com mercenários.

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

domingo, 7 de setembro de 2008

Saúde é Harmonia

António Justo
Saúde resulta da harmonia entre espírito e corpo. A fé e a ciência complementam-se na sua tarefa de mobilizar a energia curativa da natureza. Se a ciência procura o sentido e as leis do mundo exterior, a fé procura sondar o sentido do interior do mesmo mundo e a relação entre eles. São duas perspectivas complementares da mesma Realidade. Há uma coerência entre os mundos, físico, moral, psicológico, fisiológico e espiritual. Criador e criado formam uma relação de destino comum. O criador é a força actuante da criação em relação íntima. Tudo se encontra em comum e a caminho.

Na descoberta da fonte divina no nosso mais íntimo, as fronteiras de nós mesmos passam a transcender o espaço e o tempo. Deixamos de ser o espectador à beira-mar, para, do sentir do seu marulhar, passarmos a ser a própria água, a essência. O que resta é ritmo e ressonância. Na minha respiração reconheço então o ritmo do vaivém das ondas e das marés…

Desta perspectiva o espírito passa a ter o domínio sobre os elementos, transfigurando-os mesmo. Ao reconhecer-me mar, o murmúrio das ondas já não me mete medo nem a sua infinidade me angustia. O que fica é a essência da água. Assim descubro a minha energia, o espírito divino que tudo enche e que reconheço também na neblina matinal, nas nuvens mais leves ou mais carregadas. Então a energia-vital assoma ao meu corpo tornando-se todo o universo numa orquestra cuja melodia ressoa em todo o meu ser, tal como o marulhar do mar. Aí, mesmo os acordes desafinados se tornam parte integrante da melodia universal.

A energia positiva tal como a negativa é contagiosa. Se nos ficamos apenas pelo âmbito dos fenómenos, a realidade continuará a parecer contraditória: dum lado a terra do outro o mar, dum lado a matéria, do outro o espírito. O problema geralmente está na nossa cabeça, no mundo da ideia. Esta pode ser o princípio do problema ou o princípio da sua solução. Se não fosse a ideia do bem quem suportaria a vida? Aquela predispõe-nos para uma compreensão participativa das leis que nos governam e regem o universo. Tudo é energia em relação, tudo é espírito, tudo se reduz à realidade trinitária! Trata-se de superar o diálogo para entrarmos no triálogo…

Tudo se influencia num relacionamento mais ou menos materializado semelhante às forças que regulam os astros. A Lua na sua inocência distante influencia as marés e mesmo o sucesso das sementeiras, tal como a donzela atrai o jovem na sua graciosidade, tudo gerando à volta do Sol, do Espírito, na força do amor.

Assim como uma ventania arrasta o negrume das nuvens que encobre o Sol assim os problemas podem encobrir o brilho do nosso espírito a ponto da nossa alma ficar só na escuridão. O que se dá no macrocosmo acontece no microcosmo. O que se dá no espírito reflecte-se no corpo e vice-versa. A experiência revela-nos que um espírito bom, um simples abraço, uma palavra, um olhar, um sorriso podem provocar alterações fisiológicas positivas inconcebíveis em cada um de nós.

A própria imaginação da saúde já é suficiente para movimentar em nós as energias curativas jacentes. A abertura ao divino, à ipseidade desbloqueia as forças do espírito. Ao reconhecer que Deus me é mais íntimo que eu mesmo entrarei na sua unidade, reconhecendo-me como espírito. “Eu e o Pai somos um”. Do âmago do meu ser jorra então o espírito por todos os poros do meu ser: o alvorecer do espírito em mim alumia e vivifica toda a paisagem do meu corpo e os meus horizontes.

Deus não pôde impedir a doença mas pode dar-nos novas capacidades, dar-nos força para a aguentar ou mesmo sarar ou mudar estilo de vida. Mesmo quando todas as luzes cá fora se apagam, no meu íntimo resta a minha luz, a luz divina que tudo iluminará. A força do amor é a força que nos alimenta e nos alumia o caminho. O deus demiurgo só cria, o nosso Deus também ama. Este amor foi-nos transmitido para podermos interferir no processo da criação.
Não se trata de merecer ou de ser ouvido nem de se fixar na ideia duma oração mas de estar predisposto e aberto. De facto não se sabe porque é que uns se curam e outros não. Importante é abrir-nos para possibilitar em nós as potencialidades que a natureza traz em si mesma. Para isso procuremos mobilizar a nossa intuição e a nossa razão no sentido de alcançar a saúde. A união com Deus tornar-nos-á fortes activando a força da vontade para agirmos no sentido da cura. O sentido da meditação ou oração é possibilitar o contacto com a natureza e com o próximo.

Então recolho-me no silêncio do meu quarto, entro dentro de mim mesmo para dar lugar à harmonia, num exercício de eutonia, ouvindo música, o silêncio, ou o respirar do universo. O processo de alívio e cura realiza-se na harmonia do meu expirar e inspirar. A paz invade-me ao sentir a plenitude do ser. Ao poder do espírito nada resiste. Neste ambiente é-me mais fácil reconhecer as causas da minha doença. Ao centrar o espírito sobre a minha sombra, sobre a parte dolorosa, a sombra e a dor, esvai-se donde se tinha aninhado. O espírito divino manifesta-se como a brisa primaveril que dá vida às flores do campo e estimula o chilreio dos passarinhos. O mesmo acontece na relva do meu ser então agraciado com o sol do Espírito. Então acordo rejuvenescido na consciência de que a vida precisa de mim. Reconheço que as plantas ao sol vivem mais, são mais saudáveis. O sol dá-lhes saúde e motiva o sentido. O sol do meu espírito inebria-me de tal modo que em toda a minha paisagem reconheço o Sol que me vivifica. Então um sentimento de segurança surge na minha alma e a impressão de ser necessário prolonga a minha vida na consciência do seu sentido.

As condições da nossa vida, as intempéries corporais ou psicológicas têm a sua causa no nosso espírito e no seu modo de se relacionar com as coisas. Do olhar e da nossa atitude de alma dependerá o tempo, o clima da paisagem, a nossa maneira de ser e de estar. Se o meu olhar é puro, a paisagem humana à minha volta não perturbará o meu humor. De facto, quando estou mal-humorado vejo o mundo turvo e transmito a minha agressão ao outro que inconscientemente se encontra com ela e não comigo mesmo, e vice-versa. Geralmente vivemos no desencontro de nós mesmos, no desencontro com os outros e com o mundo. Em vez de nos encontrarmos com o outro, encontramo-nos com a sua sombra. O problema não está na aranha mas no medo que se tem dela, na própria projecção! Lamentamos o sombrio rosto do vizinho, sem notarmos que ele se encontra sob a nossa sombra.

O medo e a insatisfação são como um íman que atrai as coisas mobilizando as forças negativas. Em vez do medo é preciso dar espaço à coragem, à confiança, à energia positiva que oportunamente se mobilizará. De facto o medo, o olhar desconfiado predispõe e paralisa. O medo e a excitação desviam-nos da Realidade e roubam-nos energias impedindo o fluxo da vida. Para que as ideias se tornem forças positivas pressupõe-se a iniciativa da vontade. Se procurarmos o bem, encontraremos o bem, se procurarmos o mal encontraremos o mal. Não podemos transformar-nos em caixote do lixo dos nossos queixumes nem tão-pouco no caixote do lixo dos outros. Trata-se de abrir as cortinas do nosso espaço e do espaço dos outros para que o sol entre. Então surgirá a brisa da inocência, da bondade e do amor que tudo quer abordar e inebriar. Então o vento das preocupações e dos desejos amainarão. “Olhem os passarinhos do campo…”. Eles seguem a ordem das coisas sem as complicarem com pensamentos ou emoções. Senão vejamo-nos ao espelho ou olhemos para a pessoa amada. O amor e a paz tornam-nos mais belos! O mesmo se verifica na harmonia do rosto das crianças ou no seu olhar, no trato do dia a dia ou quando lhes damos o “bom dia” inesperado ao passar por elas. Quando o nosso amigo nos fala das suas mazelas porque as fortalecemos acrescentando-lhes as nossas? Se um Cristo abandonado me encontra, talvez eu possa ser nesse momento a sua oportunidade, a sua outra parte, o Cristo ressuscitado. Se me conheço na totalidade, e se conheço o mundo só me resta perdoar e abençoar no amor…

Antes de nós está a ideia. Ela vem do espírito que é o fundamento de tudo. A ideia é com um magnete que conduz à acção. Se mantivermos a mente jovem o corpo manter-se-á jovem. Quem trabalha com crianças facilmente notará que estas se entusiasmam pelo educador independentemente da idade ou da aparência física deste. Condição é manter-se um espírito alegre, puro e aberto. Num ambiente despretensioso, dá-se então uma osmose, uma troca de vitalidade entre corpo e alma, entre as pessoas em relação.

A companhia de pessoas soalheiras, incomplicadas e optimistas favorecerá a fluência da energia positiva nas nossas veias e nos nossos nervos. Principalmente nos momentos em que nos sentimos mais fracos. As plantas não gostam da sombra; na sombra não se desenvolve a alma nem o espírito. Para tratarmos o corpo temos que começar pelo espírito. Na descoberta do sentido seremos o médico preventivo de nós mesmos. Então o nosso biótopo será mais harmonioso e nele raiará o sol e os passarinhos virão beber e espraiar-se na nossa fonte.

As más ideias, a fixação na doença ou na morte é como um vírus contagioso que infecta o corpo e a alma. A nível psicológico, no relacionamento com pessoas, certamente que cada um de nós já fez a experiência pela positiva e pela negativa. Se a pessoa é negativa e só fala de problemas, de doenças, da maldade dos vizinhos, o nosso espírito turva-se e vamos carregados e sombrios para casa. Pelo contrário se estávamos tristes e tivemos a dita de encontrar uma pessoa positiva, vamos mais aliviados para casa. O mesmo acontece na relação corpo espírito. Se o nosso espírito é pessimista e negativo, o nosso corpo inibe-se favorecendo o aparecimento dum sintoma corporal ou espiritual correspondente.

Naturalmente que também há males corporais que influenciam o espírito e acabrunham a nossa alma. No caso de doenças hereditárias a questão complica-se, mas também aí o espírito pode vir a dominar o corpo, ou pelo menos a activar os mecanismos de defesa fortalecendo o sistema imune. Não é empresa fácil a reparação de defeitos na malha das células e dos cromossomas. Aí precisa-se de muita força e também da ajuda exterior para se não tropeçar e não se tornar vítima. O espírito está por detrás de toda a mutação. O próprio tubérculo no recanto mais escuro dirige o seu embrião na procura do sol. A mais frágil semente chega a romper a dureza do alcatrão para avistar a luz do sol. Nós, pelas mais crustas da doença ou da desgraça que tenhamos em nós, conseguiremos descobrir o sentido da vida, o sentido do espírito, se nos abrirmos a ele.

É importante fortalecer o sistema imune interior. Se quero ver o Sol deixo de olhar para a sombra. Esta apenas pode ser um momento curto que me dá a oportunidade de descobrir a direcção do sol, que se encontra na direcção contrária. O mal, o ódio, a vingança, a doença, os maus pensamentos, o pessimismo, o desânimo, a inveja são zonas húmidas e sombrias propensas a todas as doenças parasitas do espírito e da vida.

Muitas vezes andamos encandeados pela vida sendo puxados por ela como um cão pelo seu dono. A necessidade, uma desgraça, tem, por vezes, o sentido de nos acordar para nós mesmos e de nos predispor para mudarmos o estilo de vida. Com as coisas que trazemos na cabeça e com a rotina perdemos a vida. Ninguém é culpado disto ou daquilo.

Tanto tu como eu, temos uma natureza comum, somos filhos da divindade! Participamos activamente da divindade do Pai e do Filho através do Espírito em nós presente. O Espírito, o Sol está em nós mesmos. Cada acto de esperança e de confiança é uma abertura ao raio de sol a passar pelo ramalhal da tristeza e do desânimo. As virtudes maiores são a ‘fé’, a ‘esperança’ e a caridade: a harmonia no amor; aquelas preparam esta. A melhor medicina é o espírito que nos conduz ao amor. “Em Deus tudo é possível”. A doença pode ser uma ponte para nós mesmos, para os outros, para Deus em tudo e em todos.

António da Cunha Duarte Justo
“Pegadas do Espírito”, Kassel, 2008

Saúde é Harmonia

António Justo
Saúde é o resultado da harmonia entre espírito e corpo. A fé e a ciência complementam-se na sua tarefa de mobilizar a energia curativa da natureza. Se a ciência procura o sentido e as leis do mundo exterior, a fé procura sondar o sentido do interior do mesmo mundo e a relação entre eles. São duas perspectivas complementares da mesma Realidade. Há uma coerência entre os mundos, físico, moral, psicológico, fisiológico e espiritual. Criador e criado formam uma relação de destino comum. O criador é a força actuante da criação em relação íntima. Tudo se encontra em comum e a caminho.

Na descoberta da fonte divina no nosso mais íntimo, as fronteiras de nós mesmos passam a transcender o espaço e o tempo. Deixamos de ser o espectador à beira-mar, para, do sentir do seu marulhar, passarmos a ser a própria água, a essência. O que resta é ritmo e ressonância. Na minha respiração reconheço então o ritmo do vaivém das ondas e das marés…

Desta perspectiva o espírito passa a ter o domínio sobre os elementos, transfigurando-os mesmo. Ao reconhecer-me mar, o murmúrio das ondas já não me mete medo nem a sua infinidade me angustia. O que fica é a essência da água. Assim descubro a minha energia, o espírito divino que tudo enche e que reconheço também na neblina matinal, nas nuvens mais leves ou mais carregadas. Então a energia-vital assoma ao meu corpo tornando-se todo o universo numa orquestra cuja melodia ressoa em todo o meu ser, tal como o marulhar do mar. Aí, mesmo os acordes desafinados se tornam parte integrante da melodia universal.

A energia positiva tal como a negativa é contagiosa. Se nos ficamos apenas pelo âmbito dos fenómenos, a realidade continuará a parecer contraditória: dum lado a terra do outro o mar, dum lado a matéria, do outro o espírito. O problema geralmente está na nossa cabeça, no mundo da ideia. Esta pode ser o princípio do problema ou o princípio da sua solução. Se não fosse a ideia do bem quem suportaria a vida? Aquela predispõe-nos para uma compreensão participativa das leis que nos governam e regem o universo. Tudo é energia em relação, tudo é espírito, tudo se reduz à realidade trinitária! Trata-se de superar o diálogo para entrarmos no triálogo…

Tudo se influencia num relacionamento mais ou menos materializado semelhante às forças que regulam os astros. A Lua na sua inocência distante influencia as marés e mesmo o sucesso das sementeiras, tal como a donzela atrai o jovem na sua graciosidade, tudo gerando à volta do Sol, do Espírito, na força do amor.

Assim como uma ventania arrasta o negrume das nuvens que encobre o Sol assim os problemas podem encobrir o brilho do nosso espírito a ponto da nossa alma ficar só na escuridão. O que se dá no macrocosmo acontece no microcosmo. O que se dá no espírito reflecte-se no corpo e vice-versa. A experiência revela-nos que um espírito bom, um simples abraço, uma palavra, um olhar, um sorriso podem provocar alterações fisiológicas positivas inconcebíveis em cada um de nós.

A própria imaginação da saúde já é suficiente para movimentar em nós as energias curativas jacentes. A abertura ao divino, à ipseidade desbloqueia as forças do espírito. Ao reconhecer que Deus me é mais íntimo que eu mesmo entrarei na sua unidade, reconhecendo-me como espírito. “Eu e o Pai somos um”. Do âmago do meu ser jorra então o espírito por todos os poros do meu ser: o alvorecer do espírito em mim alumia e vivifica toda a paisagem do meu corpo e os meus horizontes.

Deus não pôde impedir a doença mas pode dar-nos novas capacidades, dar-nos força para a aguentar ou mesmo sarar ou mudar estilo de vida. Mesmo quando todas as luzes cá fora se apagam, no meu íntimo resta a minha luz, a luz divina que tudo iluminará. A força do amor é a força que nos alimenta e nos alumia o caminho. O deus demiurgo só cria, o nosso Deus também ama. Este amor foi-nos transmitido para podermos interferir no processo da criação.
Não se trata de merecer ou de ser ouvido nem de se fixar na ideia duma oração mas de estar predisposto e aberto. De facto não se sabe porque é que uns se curam e outros não. Importante é abrir-nos para possibilitar em nós as potencialidades que a natureza traz em si mesma. Para isso procuremos mobilizar a nossa intuição e a nossa razão no sentido de alcançar a saúde. A união com Deus tornar-nos-á fortes activando a força da vontade para agirmos no sentido da cura. O sentido da meditação ou oração é possibilitar o contacto com a natureza e com o próximo.

Então recolho-me no silêncio do meu quarto, entro dentro de mim mesmo para dar lugar à harmonia, num exercício de eutonia, ouvindo música, o silêncio, ou o respirar do universo. O processo de alívio e cura realiza-se na harmonia do meu expirar e inspirar. A paz invade-me ao sentir a plenitude do ser. Ao poder do espírito nada resiste. Neste ambiente é-me mais fácil reconhecer as causas da minha doença. Ao centrar o espírito sobre a minha sombra, sobre a parte dolorosa, a sombra e a dor, esvai-se donde se tinha aninhado. O espírito divino manifesta-se como a brisa primaveril que dá vida às flores do campo e estimula o chilreio dos passarinhos. O mesmo acontece na relva do meu ser então agraciado com o sol do Espírito. Então acordo rejuvenescido na consciência de que a vida precisa de mim. Reconheço que as plantas ao sol vivem mais, são mais saudáveis. O sol dá-lhes saúde e motiva o sentido. O sol do meu espírito inebria-me de tal modo que em toda a minha paisagem reconheço o Sol que me vivifica. Então um sentimento de segurança surge na minha alma e a impressão de ser necessário prolonga a minha vida na consciência do seu sentido.

As condições da nossa vida, as intempéries corporais ou psicológicas têm a sua causa no nosso espírito e no seu modo de se relacionar com as coisas. Do olhar e da nossa atitude de alma dependerá o tempo, o clima da paisagem, a nossa maneira de ser e de estar. Se o meu olhar é puro, a paisagem humana à minha volta não perturbará o meu humor. De facto, quando estou mal-humorado vejo o mundo turvo e transmito a minha agressão ao outro que inconscientemente se encontra com ela e não comigo mesmo, e vice-versa. Geralmente vivemos no desencontro de nós mesmos, no desencontro com os outros e com o mundo. Em vez de nos encontrarmos com o outro, encontramo-nos com a sua sombra. O problema não está na aranha mas no medo que se tem dela, na própria projecção! Lamentamos o sombrio rosto do vizinho, sem notarmos que ele se encontra sob a nossa sombra.

O medo e a insatisfação são como um íman que atrai as coisas mobilizando as forças negativas. Em vez do medo é preciso dar espaço à coragem, à confiança, à energia positiva que oportunamente se mobilizará. De facto o medo, o olhar desconfiado predispõe e paralisa. O medo e a excitação desviam-nos da Realidade e roubam-nos energias impedindo o fluxo da vida. Para que as ideias se tornem forças positivas pressupõe-se a iniciativa da vontade. Se procurarmos o bem, encontraremos o bem, se procurarmos o mal encontraremos o mal. Não podemos transformar-nos em caixote do lixo dos nossos queixumes nem tão-pouco no caixote do lixo dos outros. Trata-se de abrir as cortinas do nosso espaço e do espaço dos outros para que o sol entre. Então surgirá a brisa da inocência, da bondade e do amor que tudo quer abordar e inebriar. Então o vento das preocupações e dos desejos amainarão. “Olhem os passarinhos do campo…”. Eles seguem a ordem das coisas sem as complicarem com pensamentos ou emoções. Senão vejamo-nos ao espelho ou olhemos para a pessoa amada. O amor e a paz tornam-nos mais belos! O mesmo se verifica na harmonia do rosto das crianças ou no seu olhar, no trato do dia a dia ou quando lhes damos o “bom dia” inesperado ao passar por elas. Quando o nosso amigo nos fala das suas mazelas porque as fortalecemos acrescentando-lhes as nossas? Se um Cristo abandonado me encontra, talvez eu possa ser nesse momento a sua oportunidade, a sua outra parte, o Cristo ressuscitado. Se me conheço na totalidade, e se conheço o mundo só me resta perdoar e abençoar no amor…

Antes de nós está a ideia. Ela vem do espírito que é o fundamento de tudo. A ideia é com um magnete que conduz à acção. Se mantivermos a mente jovem o corpo manter-se-á jovem. Quem trabalha com crianças facilmente notará que estas se entusiasmam pelo educador independentemente da idade ou da aparência física deste. Condição é manter-se um espírito alegre, puro e aberto. Num ambiente despretensioso, dá-se então uma osmose, uma troca de vitalidade entre corpo e alma, entre as pessoas em relação.

A companhia de pessoas soalheiras, incomplicadas e optimistas favorecerá a fluência da energia positiva nas nossas veias e nos nossos nervos. Principalmente nos momentos em que nos sentimos mais fracos. As plantas não gostam da sombra; na sombra não se desenvolve a alma nem o espírito. Para tratarmos o corpo temos que começar pelo espírito. Na descoberta do sentido seremos o médico preventivo de nós mesmos. Então o nosso biótopo será mais harmonioso e nele raiará o sol e os passarinhos virão beber e espraiar-se na nossa fonte.

As más ideias, a fixação na doença ou na morte é como um vírus contagioso que infecta o corpo e a alma. A nível psicológico, no relacionamento com pessoas, certamente que cada um de nós já fez a experiência pela positiva e pela negativa. Se a pessoa é negativa e só fala de problemas, de doenças, da maldade dos vizinhos, o nosso espírito turva-se e vamos carregados e sombrios para casa. Pelo contrário se estávamos tristes e tivemos a dita de encontrar uma pessoa positiva, vamos mais aliviados para casa. O mesmo acontece na relação corpo espírito. Se o nosso espírito é pessimista e negativo, o nosso corpo inibe-se favorecendo o aparecimento dum sintoma corporal ou espiritual correspondente.

Naturalmente que também há males corporais que influenciam o espírito e acabrunham a nossa alma. No caso de doenças hereditárias a questão complica-se, mas também aí o espírito pode vir a dominar o corpo, ou pelo menos a activar os mecanismos de defesa fortalecendo o sistema imune. Não é empresa fácil a reparação de defeitos na malha das células e dos cromossomas. Aí precisa-se de muita força e também da ajuda exterior para se não tropeçar e não se tornar vítima. O espírito está por detrás de toda a mutação. O próprio tubérculo no recanto mais escuro dirige o seu embrião na procura do sol. A mais frágil semente chega a romper a dureza do alcatrão para avistar a luz do sol. Nós, pelas mais crustas da doença ou da desgraça que tenhamos em nós, conseguiremos descobrir o sentido da vida, o sentido do espírito, se nos abrirmos a ele.

É importante fortalecer o sistema imune interior. Se quero ver o Sol deixo de olhar para a sombra. Esta apenas pode ser um momento curto que me dá a oportunidade de descobrir a direcção do sol, que se encontra na direcção contrária. O mal, o ódio, a vingança, a doença, os maus pensamentos, o pessimismo, o desânimo, a inveja são zonas húmidas e sombrias propensas a todas as doenças parasitas do espírito e da vida.

Muitas vezes andamos encandeados pela vida sendo puxados por ela como um cão pelo seu dono. A necessidade, uma desgraça, tem, por vezes, o sentido de nos acordar para nós mesmos e de nos predispor para mudarmos o estilo de vida. Com as coisas que trazemos na cabeça e com a rotina perdemos a vida. Ninguém é culpado disto ou daquilo.

Tanto tu como eu, temos uma natureza comum, somos filhos da divindade! Participamos activamente da divindade do Pai e do Filho através do Espírito em nós presente. O Espírito, o Sol está em nós mesmos. Cada acto de esperança e de confiança é uma abertura ao raio de sol a passar pelo ramalhal da tristeza e do desânimo. As virtudes maiores são a ‘fé’, a ‘esperança’ e a caridade: a harmonia no amor; aquelas preparam esta. A melhor medicina é o espírito que nos conduz ao amor. “Em Deus tudo é possível”. A doença pode ser uma ponte para nós mesmos, para os outros, para Deus em tudo e em todos.

António da Cunha Duarte Justo
“Pegadas do Espírito”, Kassel, 2008

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Curar é Santificar

O Poder da Ideia e do Espírito
António Justo
Em alemão a palavra curar tem a mesma raiz que a palavra santificar. Pressupõe uma relação dialógica íntima entre corpo e espírito. Ambos se encontram integrados numa realidade mais abrangente: a harmonia com as leis materiais e espirituais no confluir do finito como infinito. Para descobrir a causa do meu estado físico ou psíquico terei de descer ao meu interior porque lá se encontra a origem dos meus sofrimentos. Do mais íntimo de mim mesmo jorram as energias da vida. A impedi-las estão os nós provocados pelas intempéries da vida, pelo medo e pelas excitações.

Porque correr tanto à procura de fontanários, na tentativa de apagar a sede, de se curar, se a verdadeira fonte se encontra no nosso interior? Já Agostinho dizia: “Deus é-te mais íntimo do que tu mesmo”, e dele jorra a vida de que fazemos parte. Aí no encontro do divino com o humano surge a relação vital, o amor que tudo inebria. Daí jorra a santidade, o espírito que tudo vivifica e cura. O odor dos frutos, as cores das flores, o sorriso das pessoas são expressão do mesmo amor. Saúde é a harmonia da alma e do corpo mergulhados no meio divino: o oceano da ressonância do todo na vibração do nós. Neste estado mesmo os factores fomentadores de desarmonia podem ser reintegrados e purificados. Ao encontrarmos a nossa ipseidade, Deus, a vida, então tornamo-nos a sua chama, formando um todo: o eu e o tu tornam-se num nós. “Quando dois ou três se encontram em meu nome lá estou eu no meio deles”. A perspectiva da parte ao reconhecer-se na perspectiva do todo supera em si as barreiras da parte.

Doença é desarmonia, é desconhecimento, separação, é falta de vibração e de relação, é a vela sem chama. As doenças são gritos da alma à espera dum eco, dum fósforo que a acenda e crie a união. Este fósforo também pode ser uma esperança, uma oração, uma pessoa, um acontecimento, que provoque em mim um processo de abertura a mim mesmo e ao outro. Então a emoção, o sentimento de alegria produzirá no meu corpo os mesmos efeitos que o Sol provoca na natureza. A excitação exagerada pode provocar um sentimento de alívio momentâneo tal como a trovoada ou o furacão que passa; o problema são os estragos que deixa.

Se a alma sofre o corpo entra em compaixão com ela tornando fisiologicamente visíveis os sofrimentos interiores e as suas causas. Quando o sofrimento é grande precisamos dos outros, da comunidade para nos restabelecermos. Em cada um de nós se encontram mananciais de vida pura profunda à espera de serem mobilizados em nosso favor e em favor dos outros. Para isso é preciso olhar e ver também para dentro. A mente predispõe e a fé espiritual mobiliza o espírito. O pensamento e a fé são forças que nos transformam. Um pensamento aprofundado na meditação ou na oração espiritualiza-se.

Muitas moradas abertas e Xamanes esgotam-se ao tentar mobilizar as próprias forças da mente e do espírito para as transmitirem ao doente. A força curativa porém já está presente. A própria pessoa deve colocar-se em segundo plano procurando a harmonia do espírito e abrir-se à ressonância universal possibilitadora da transmissão da onda curativa. Não somos nós que curamos, é Deus que em nós cura e salva. Ao entrarmos numa relação íntima com a criação e com o criador aurimos então da profundeza do espírito comum, do nós, da força harmonizadora que nos dá acesso à fonte da santidade que possibilita a cura. A confiança no médico, no padre, no acompanhante e a atmosfera espiritual preparam o espírito do paciente para o circundar da energia curativa. Também a sugestão pode mobilizar as energias mais salutares desde que o paciente colabore e assim possibilite uma continuidade no processo de cura. “Não peques mais” e não deixes os outros pecar em ti! A esperança acompanhada dum espírito desanuviado é o melhor desinfectante, o melhor purgativo para o corpo e para a alma. Quem crê não está só!

Na ordem física o gelo exposto ao calor modifica-se. Também na ordem espiritual o contacto com o brilho do sol, escondido no nosso mais íntimo, possibilita a mudança de nós mesmos e o desatar dos nós que impedem o fluxo harmónico da energia vital universal. Tudo isto acontece sem esforço, para lá das nossas verdades, estereótipos e do nosso querer. Lá onde o eu descobre o nós trinitário, onde o nosso ser reza “tu e eu somos um”. Aí se estabelece o processo de cura e de salvação e se reconhece no Sol a força que dá energia a todo o ser e se vê, na sombra e na dor, apenas a ausência da luz.

O esvair do sol da tarde traz consigo o frio e a escuridão que nos impede de ver. O Sol da razão, por vezes é tão forte que nos impede de ver aquilo que mais de imediato nos rodeia. Também o sentimento chega a ser tão forte que impede de ver as coisas mais claras. A toupeira, que não sabe nada da luz, apenas sente o frio ou a escuridão da terra!... O ser aberto é guiado pelo coração iluminado, pela intuição. A cura pressupõe entrar no processo trinitário imbuindo o espírito e o corpo.

Também o sacramento dos enfermos terá que ter em conta as duas componentes, tal como era praxe nos primeiros cristãos. Para isso será necessária a força da ilusão e das ideias para entrar na força do espírito, para lá do espaço e do tempo. A verdade é que cura. Não há explicações físicas da medicina para o placebo, além dos problemas de explicação para o efeito da homeopatia além dos problemas da dor criada e da dor querida. A fé, imbuída numa atitude de esperança, influencia o processo da cura. Luc 18, 42:”A tua fé te salvou”. O efeito “nocebo” também produz o contrário da cura, uma fé negativa, ou a desesperança.

Naturalmente que seria perigoso tentar explicar o mal, ou a doença duma forma mono-causal ou com uma solução simplicista. Cada um acarreta não só com a responsabilidade própria mas também com a da espécie. É importante fortalecer-se o espírito para que o infecto não se alije na mente. A fé não pode ser tomada apenas como medicamento. Trata-se de não se deixar subjugar pelas ideias negativas (ideias micróbios), pela inércia, pela mediação nem pelo medo. O cérebro domina o corpo e condiciona o espírito. A cura depende duma observação exacta do estado e consciência da pessoa englobando as suas circunstâncias corporais, mentais, espirituais e sociais. A irradiação do curandeiro pode ajudar a acordar a fé curativa, a mover as energias positivas. A cura depende duma observação exacta do estado e consciência da pessoa, onde se encontra a doença e os sintomas. O mediador terá de estar preparado para corresponder à consciência e deixar-se conduzir pelo espírito que intuitivamente agirá.

Os sistemas encobrem a verdade materializando-a. A verdade é como a luz do amanhecer que vai arrumando a treva, a escuridão. Esta vê-se na dor, na falsidade, no sofrimento, na miséria.

Na oração o orador procura a verdade viva numa tentativa de afastar da realidade o manto da ausência de Deus, manto esse que, por vezes, encobre as coisas.

No processo da cura é fundamental a criação dum estado de espírito aberto ao espiritual, latente em tudo e em todos. Não se tratará de usar dum poder duma pessoa ou instituição mas de se descobrir na comunhão e em comunidade a força do carinho que nos envolve. Uns falam da força da fé, outros dum magnetismo ou fluido que no fundo tem tudo a ver com a influenciação recíproca de corpo e espírito.

A excitação da faculdade imaginativa, bem como os ritos podem criar uma predisposição para mover a força do espírito, para a entrega nele. Não se trata de curar através duma crença mas de se tornar Emanuel. Então entraremos numa consciência de tudo abençoar, de tudo perdoar. Aí o fluxo da energia divina, o fluxo do amor envolve-nos, inebria-nos e o processo curativo e santificador inicia-se. Neste estado, a causa da doença desaparece. Pressuposto para a cura do corpo é a saúde do espírito.

As nossas ideias e sentimentos têm a sua quota-parte tanto no envenenamento do corpo e a alma como na sua purificação. As nossas ideias são as sombras do espírito pelo que no exercício da cura teremos que procurar transformá-las para entrar na ressonância com o espírito. O texto, a letra matam, revelando apenas a sombra da ideia, do espírito.

Numa linguagem um pouco estática poderíamos dizer que a matéria é a sombra do espírito ou a sua ausência, numa vivência dinâmica diríamos que o espírito é a outro lado da matéria. Há uma unidade essencial entre espírito e matéria já reconhecida no mistério da Trindade. Deus é vida, amor, verdade, corpo, alma e espírito. Na incarnação o Homem enche-se de Deus.


A moral consciente, o amor ao próximo, a humanidade, a esperança envolvida são os luzeiros a alumiar o caminho da alma. No falar se manifestam metáforas do espírito, da realidade. O espírito pentecostal transforma a palavra em Jesus Cristo. Verdade é acontecimento. Tal como o sol é o centro no qual se orientam e descansam todos os seus planetas, também no ser humano o seu centro estabilizador é a alma, o espírito. Assim se conseguirá ultrapassar os limites do parecer da matéria e entrar na harmonia do ser, na ressonância do espírito. Neste sentido terá de ser feito um esforço por integrar a ciência espiritual com a ciência material, para que a fé material não destrua a fé espiritual nem vice-versa. Assim como antes da acção está a ideia, antes do físico está o espírito.

Ao magnetismo do amor que tudo vivifica corresponde o magnetismo da coesão das coisas que num equilíbrio de força centrípeta e centrífuga dá coesão às coisas. Só o amor, o espírito subsiste por si e resplandece energia; o resto é sombra. Com efeito, o espírito alonga a vista e o horizonte sem negar a matéria, tornando-a apenas transparente. Entrar na harmonia divina significa actualizar a força, a natureza de Cristo e nessa tenção curar com o amor divino na procura do verdadeiro ser. O caminho, a órbita da vida é amor. “Ide por todo o mundo e anunciai a Boa Nova, curai os doentes e amai o vosso próximo como a vós mesmos”, dizia o Mestre de Nazaré. Trata-se de clarear o espírito para que este transforme a natureza.

Precisa-se duma cultura sã imbuída do amor que, como o fogo, transforma mesmo o ferro mais duro. Onde não há amor domina a violência ou a entropia. Até a hormona amígdala premeia o hábito mesmo que este seja doloroso. Toda a fixação é contra a vida: o físico quer satisfação e a alma aspira a perfeição. Habituados ao ser da noite apreendida como sendo a realidade, já não notamos a ausência da luz. A noite é apenas a ausência de luz. O espírito terá de prevalecer sobre o corpo porque pelo espírito é que tomamos parte na eternidade. “Já não sou eu que vivo é Deus que vive em mim”, constatava Paulo.

António da Cunha Duarte Justo